Enquanto na Câmara a nova base do governo entregou uma vitória expressiva mantendo o veto de Jair Bolsonaro ao reajuste para servidores públicos, o Palácio do Planalto tenta evitar que sua articulação política degringole no Senado. A reação do ministro da Economia, Paulo Guedes, chamando de “crime” o posicionamento majoritário dos senadores contra a trava aos aumentos salariais, pode trazer dificuldades nas próximas votações.
Parlamentares governistas e da oposição exigem desculpas públicas de Guedes. Os responsáveis pela articulação política do governo buscam formas de contornar o desgaste.
Em paralelo, uma negociação sobre a liberação de recursos para obras é outro ponto de tensão. O governo promete enviar na próxima semana um projeto de lei para remanejar R$ 5 bilhões para investimentos, numa prévia do programa Pró-Brasil. Os recursos serão distribuídos para os ministérios do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, e da Infraestrutura, de Tarcísio de Freitas. Uma parte será reservada para indicação de senadores.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pleiteia pelo menos R$ 3 bilhões para tocar obras indicadas pelos integrantes da Casa. O Planalto, no entanto, impôs um limite de R$ 1, 8 bilhão, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO. Os deputados ainda não tiveram sua cota definida, e os recursos devem ser enviados em outro projeto de lei.
Desde 2019, o governo Bolsonaro teve facilidade para dialogar com o Senado. Na Câmara, antes do apoio firmado com o centrão, o cenário era oposto. Agora, os papéis foram invertidos.
A declaração de Guedes criou um movimento que busca convocar o ministro a dar explicações aos senadores — os parlamentares demandam uma justificativa detalhada para o impacto anunciado do veto, estimado pela equipe econômica em R$ 130 bilhões. Caso o veto não tivesse sido derrubado, governos em todo o país poderiam aumentar salários de servidores de saúde, segurança e educação, em um meio a um cenário fiscal já deteriorado pela queda de arrecadação decorrente da pandemia de coronavírus.
Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), não houve um trabalho de convencimento do governo para que o Senado mantivesse o veto. Ela diz que, se houvesse uma explicação sobre o rombo alardeado por Guedes, a situação seria diferente. Ainda assim, argumenta que o ministro não falou a verdade sobre o assunto. Para ela, “o estrago na base bolsonarista foi muito grande”:
— Nunca vi uma reação dos governistas como essa.
Mudanças na Câmara
Já na Câmara, as negociações passaram a fluir melhor, e o Planalto deu aval inclusive a um projeto com impacto fiscal elevado: o auxílio de R$ 4 bilhões a empresas de transporte público. O relator do texto, Hildo Rocha (MDB-MA), concordou com uma contrapartida estipulada pelo governo: a previsão de uma série de mudanças nos modelos contratuais, além de novas licitações.
O governo também está negociando com deputados a derrubada de 11 vetos no pacote anticrime. Na próxima terça-feira, o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) baterá o martelo com o Planalto sobre as alterações previstas. O governo concordou em resgatar trecho do pacote que autoriza o Ministério Público a celebrar acordos para não propor ações de improbidade administrativa em caso de ressarcimento aos cofres públicos. O ponto que trata de crimes contra a honra também será recuperado.
No Senado, outro ponto de insatisfação ocorre em relação ao líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Integrantes da base aliada gostariam de vê-lo afastado da função e, em conversas reservadas, atribuem a Gomes a responsabilidade pela derrota do governo. Além disso, quatro senadores foram considerados “traidores” pelo Palácio do Planalto: Izalci Lucas (PSDB-DF), um dos vice-líderes, Jorginho Mello (PL-SC), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Daniela Ribeiro (PP-PB).
Antes do veto, o governo já havia sido derrotado no início da semana. Na terça-feira, senadores retiraram da pauta o projeto que altera o Código de Trânsito, uma das principais bandeiras de Bolsonaro. E como o clima piorou após a fala de Guedes, Alcolumbre adiou para a próxima semana a votação sobre o Fundo de Educação Básica (Fundeb).
Para acalmar o Senado
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está à frente de uma articulação que pode dar a senadores uma fatia de R$ 3 bilhões para que destinem recursos para a realização de obras em suas bases eleitorais. O governo, no entanto, quer limitar o valor a R$ 1,8 bilhão. Os recursos integram um total de R$ 5 bilhões que serão usados pelo governo nos projetos. Ainda não há uma definição sobre a verba que caberá aos deputados.
Lei Anticrime na Câmara
Na Câmara, o governo negociou com deputados os termos da votação dos vetos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro ao pacote anticrime. O Palácio do Planalto deu seu aval para que os congressistas derrubem 11 dos 13 vetos feitos pelo presidente. Um que será derrubado é o que proíbe o Ministério Público de celebrar acordos para não propor ações de improbidade administrativa em caso de ressarcimento aos cofres públicos.
Acordo com centrão
Como contrapartida aos deputados no acordo que permitiu a manutenção, na Câmara, do veto presidencial que proíbe o reajuste salarial de servidores públicos até o fim do ano que vem, o governo vai apoiar a votação de um projeto de lei que prevê uma ajuda da União de R$ 4 bilhões para empresas de transporte público de capitais e grandes cidades. Essa era uma reivindicação de integrantes da base do governo, agora liderada pelo centrão.
O Globo