Depois de pressão dentro e fora do Congresso, o senador Dalírio Beber (PSDB-SC) resolveu retirar de pauta nesta terça-feira (20) o polêmico projeto de lei que, caso viesse a ser aprovado, representaria o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa. Trata-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) 396/2017, que em resumo impede punição a agentes públicos condenados pela Lei da Ficha Limpa antes de 2010 (leia mais e veja íntegra do projeto abaixo). Além da exclusão dos itens de votação, Dalírio anunciou o arquivamento do PLS.
A matéria tem sido atacada há dias por parlamentares de diversos partidos. No noticiário, a rejeição também era evidente. Diante do quadro adverso, Dalírio subiu à tribuna para pedir a deliberação sobre retirada do projeto de pauta, no que foi atendido pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE). Tão logo o tucano encerrou seu pronunciamento, Eunício colocou a solicitação sob decisão de plenário, que acatou o pedido de retirada de forma simbólica (sem conferência de votos).
Mais cedo, senadores conseguiram reunir o número mínimo de assinaturas (41) para retirar o projeto de pauta. Como este site tem mostrado nos últimos dias, na semana passada o projeto foi incluído sem alarde na pauta de votações do plenário e, desde então, tem revoltado parlamentares contrários à matéria. Graças à reação dos parlamentares, o texto não será levado ao plenário.
Agora, a partir do protocolo na Mesa Diretora do Senado, o requerimento de retirada de pauta (reprodução abaixo) tem que ser votado em plenário para concretizar o plano da maioria dos senadores. É necessário que o documento seja aprovado por maioria simples (metade mais um dos presentes em plenário).
A quantidade de apoiamentos ao requerimento contra a votação do projeto foi assegurado apenas hoje (terça, 20), com a adesão dos senadores do MDB – um dos partidos com mais representantes às voltas com processos criminais. Maior bancada do Senado na atual legislatura, o partido reúne 18 dos 81 senadores.
“Acabamos de conseguir as assinaturas necessárias para a retirada da urgência do projeto que flexibiliza a Ficha Limpa. Agora, o requerimento vai a voto”, registrou, no Twitter, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que encabelou a coleta de adesões para apresentar o requerimento de retirada de pauta.
Mais cedo, Randolfe havia feito um apelo, na mesma rede social, ao autor do projeto. “Apelo ao Senador Dalírio Beber (PSDB-SC) para que retire o PLS nº 396, de 2017, para evitarmos graves retrocessos na Lei da Ficha Limpa!”, escreveu o senador do Amapá, incluindo na postagem a hashtag #retiraDalírio.
O projeto
O PLS 396/2017 “inclui dispositivo na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, para disciplinar o alcance de hipóteses e prazos de inelegibilidade a fatos que já tenham sido objeto de sentenças judiciais transitadas em julgado”, como diz sua ementa.
Em resumo, o objetivo do PLS é acabar com a inelegibilidade de oito anos imposta aos condenados pela Lei da Ficha Limpa antes de 2010. Ou seja, apenas sentenciados a partir disso seriam enquadrados na legislação. Na verdade, seria uma anistia para quem praticou e foi condenado, por exemplo, por crimes investigados na Operação Lava Jato, cujo esquema de corrupção se “institucionalizou” a partir do início do ano 2000, com a articulação que reuniu partidos como PP, PT e PMDB.
Um requerimento de urgência já foi aprovado para votar a matéria, que será discutida em turno único. Um parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), colegiado repleto de senadores investigados na Lava Jato, deixou a matéria pronta para votação de plenário. O PLS foi encaminhado na última quarta-feira (7) ao plenário pela Secretaria-Geral da Mesa (SGM), com urgência de votação aprovada no mesmo dia.
Coisa julgada
Autor da matéria, o senador Dalirio reclama dos efeitos retroativos da Ficha Lima. Para o tucano, seu projeto visa evitar que o caráter de retroatividade do projeto cause segurança jurídica e atente contra a soberania popular manifestada pelo voto. Ele também defende que sejam observados os efeitos da “coisa julgada”, bem como as consequências sociais, financeiras e políticas dela decorrentes.
“Que nós, legisladores, reparemos esse grave equívoco [retroatividade da lei], sem que isto represente qualquer afronta à inquestionável autoridade do Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, o que se busca aqui, além dos postulados da segurança jurídica, da coisa julgada, da não surpresa, dentre outros, é a estabilidade institucional diante das graves repercussões de tal decisão no seio político, social e econômico de nossa Nação, como se demonstrará a seguir”, alegou Dalirio, na justifica de seu projeto.
“Cabe recordar que vários Deputados Federais e Estaduais se elegeram nas eleições de 2014, sem que fossem admoestados pela retroação da LC 135/2010 [Lei da Ficha Limpa]. Alguns destes parlamentares, após eleitos em 2016 para mandato de Prefeito, renunciaram as suas respectivas cadeiras no Parlamento, advindo desse gesto uma das mais gritantes contradições. Se continuassem Deputados não seriam atingidos pela retroatividade concebida pela decisão do STF”, acrescenta Dalirio, referindo-se à decisão do Supremo, de outubro do ano passado, que validou a retroatividade da Ficha Limpa.
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