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PERIGO NA VOLTA ÀS AULAS: Estudo de Harvard aponta que crianças têm alta carga viral e podem ser mais contagiosas do que adultos

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Uma pesquisa conduzida pela Escola Médica da Universidade Harvard (EUA), uma das mais conceituadas do mundo, concluiu que o potencial de disseminação do novo coronavírus pelas crianças foi largamente subestimado nos últimos cinco meses da pandemia de Covid-19.

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Ao contrário do que diferentes estudos concluíram, o trabalho, apresentado pelos autores como o mais abrangente sobre o assunto até o momento, apresenta evidências de sólidas de que crianças podem ser muito mais contagiosas do que adultos, inclusive aqueles em quadro severo da doença, ainda que apresentem apenas sintomas leves.

O artigo, submetido ao periódico científico Journal of Pediatrics nesta quinta-feira, foi escrito por pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, que integra a Escola Médica de Harvard. Os esforços tiveram o apoio de diversas instituições americanas, incluindo o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) do governo e o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas.

O trabalho avaliou 192 indivíduos de 0 a 22 anos, dos quais 49 testaram positivo para a Covid-19. Metade deles apresentou febre, sintoma que pode ser confundido com alergias e gripes como a do vírus Influenza.

Ao todo, 53% deles estavam frequentando a escola. Outros 18 deram entrada na unidade com a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), uma complicação da Covid-19 em crianças.

Os cientistas encontraram níveis de carga viral do Sars-CoV-2 consideravelmente mais altos nas vias respiratórias de crianças nas fases iniciais da doença do que nas de adultos internados em unidades de terapia-intensiva. O alojamento do patógeno nas vias aéreas é um dos principais catalisadores de sua transmissão.

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Apenas 27% das crianças que testaram positivo para a Covid-19 por meio do teste RT-PCR, que contabiliza a carga viral, tinham uma comorbidade específica — a obesidade. Nenhuma delas tinham doenças cardíacas, pressão alta ou diabetes, doenças que configuram grupos de risco.

Em média, a maioria dos que contraíram a doença no grupo amostral tinham entre 11 e 16 anos, embora a doença não tenha poupado nem mesmo bebês com menos de um ano. Já a MIS-C afetou primordialmente aqueles entre 1 e 4 anos de idade. No caso da síndrome, a obesidade não pareceu desempenhar um papel importante.

Limitação na testagem levou a descompasso em resultados

Para os autores, boa parte dos cientistas incorreram em um erro ao analisar a evolução epidemiológica da pandemia sob a perspectiva sintomática da doença. Acreditava-se que o número reduzido de receptores do coronavírus — a chamada proteína ACE2, pela qual a proteína spike do Sars-CoV-2 entra nas células humanas — nas crianças levaria a uma menor carga viral, mas o estudo de Harvard quebra esta correlação e alerta que elas podem ser mais contagiosas independentemente da suscetibilidade à Covid-19.

Os autores da pesquisa Alessio Fasano, líder do grupo, e a médica Lael Yonker, que liderou o trabalho, afirmaram ao GLOBO, por e-mail, que o descompasso ocorreu em função da limitação de testes no princípio da pandemia, quando apenas pacientes suspeitos da Covid-19 em estado grave eram testados.

“Baseado nessa abordagem epidemiológica, chegamos à conclusão de que a pandemia da Covid-19 parecia se disseminar pela infecção de adultos. A partir da testagem de crianças que viviam em áreas com grandes taxas de contágio, em contato com pessoas que contraíram a doença ou apresentaram sintomas gripais, conseguimos demonstrar que crianças podem se infectar tanto quanto adultos e ter uma carga viral alta”, afirmaram os autores da pesquisa, ambos pediatras do Hospital Geral de Massachusetts.

Argumento pesou para decisão da volta às aulas

O argumento de que crianças transmitiriam menos a doença pesou na decisão de se reabrir escolas em diferentes países. Alguns deles tiveram experiências bem sucedidas, como a Alemanha e a Dinamarca, enquanto outros viram novos surtos eclodirem após falhas nas medidas sanitárias de prevenção, como Israel. A descoberta, afirmam os autores, indica que o retorno às atividades pode se tornar um vetor de transmissão do coronavírus dentro e fora dos muros da escola, afetando funcionários, professores e a família dos estudantes.

“Se precauções adequadas não forem adotadas quando os alunos voltarem à escola, as crianças podem causar a próxima onda da pandemia de Covid-19”, alertaram Fasano e Lael. “Nosso estudo demonstra que o monitoramento de sintomas, incluindo a checagem de temperatura, não são confiáveis para identificar a doença em crianças”.

As medidas preventivas devem contemplar a testagem rígida e frequente de todos os alunos, acompanhado do uso obrigatório de máscaras, uma rotina regrada de higienização das mãos, o distanciamento social, a limitação de aglomerações e a adoção de um sistema híbrido, que mescle aulas presenciais e remotas.

Sem esse roteiro canônico, reforçam, o risco da pandemia persistir e mais pessoas, incluindo familiares, serem expostas ao coronavírus com o retorno das aulas presenciais é “significativo”, o que é agravado em regiões mais pobres e vulneráveis ao patógeno: 51% das crianças positivas para o Sars-CoV-2 vinham de bairros menos favorecidos, onde famílias tendem a viver em cômodos menores e em vizinhanças densamente habitadas.

A testagem, no entanto, é um desafio mundo afora — especialmente no Brasil. Segundo levantamento do site Worldometer, que compila diferentes bases de dados ao redor do globo, o país figura na 68ª posição no índice de testes por milhão de habitantes. O desempenho é pior do que países vizinhos como Chile e Peru e até de outros criticados pela condução da crise, como a Bielorrússia e a Rússia.

O mundo já passou de 22 milhões de casos, segundo um levantamento da Johns Hopkins University (EUA). Se a abordagem epidemiológica deixou de lado a capacidade de contágio e disseminação da Covid-19 por crianças, isso significa que a subnotificação ainda é maior do que se espera?

“É plausível, uma vez que já sabíamos que estávamos olhando apenas para o topo do iceberg por testarmos apenas as pessoas com sintomas severos. Projeta-se um número real de casos de 10 a 20 vezes maior do que o total de diagnósticos confirmados”, afirmaram os pesquisadores. “Para ter uma real dimensão da pandemia, deveríamos conduzir testagens em massa independentemente de sintomas, o que ainda não é possível pela falta de testes e os custos envolvidos. Nossos dados sugerem que há uma imensidão de casos não detectados que podem ajudar a espalhar o coronavírus”.

Síndrome multissistêmica

O estudo também se debruçou sobre a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). Considerada uma complicação da Covid-19, a condição médica não é restrita a pacientes que contraíram o Sars-CoV-2, mas cientistas têm apontado uma correlação entre o aumento no número de casos da chamada SIM-P e a pandemia. A chamada “tempestade imunológica”, causada pela resposta imune desproporcional do corpo humano à infecção pelo coronavírus, atrelada ao agravamento da Covid-19, desencadeia uma reação inflamatória em crianças.

O trabalho da Escola Médica de Harvard permitiu cruzar a quantidade de carga viral e de anticorpos de ação de médio e longo prazos para o Sars-CoV-2 para compreender o comportamento da síndrome. Ao contrário das crianças positivas para o coronavírus, não eram os índices de carga viral os mais altos encontrados naquelas diagnosticadas com a SIM-P, mas, sim, os de anticorpos.

Segundo explica o estudo, a resposta imunológica hiperativa, por meio de um processo denominado ativação macrofágica, dá início ao processo inflamatório. A SIM-P pode provocar problemas cardíacos graves, como a insuficiência cardíaca aguda, além de choque. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, foram reportados 117 casos e novos óbitos pela síndrome.

Os autores lembram que, no caso dos pacientes adultos, depois do pulmão, o coração é o órgão preferido do Sars-CoV-2. Os pesquisadores sustentam que é preciso maior investigação da síndrome pela ciência afim de compreender melhor a Covid-19.

“A SIM-P pode ser bem grave em crianças e se manifestar muitas semanas após elas manifestarem um quadro leve ou até mesmo assintomático de Covid-19. Não parece haver fatores de risco claros no desenvolvimento da síndrome, e essa é a principal razão para limitarmos o contágio pelo Sars-CoV-2 entre crianças”, alertaram Fasano e Lael.

O estudo aprofundado da SIM-P pode, ainda, aprimorar o desenvolvimento de medicamentos, tratamentos e até mesmo das vacinas contra o patógeno.

“Nós demonstramos que essa resposta desregulada e hiperativa dos anticorpos aparenta estar associada com quadros graves dasíndrome. Isso traz indícios do que poderia causar a SIM-P. O sistema imune adquirido parece estar acelerado. Isso é de suma importância, uma vez que vacinas buscam estimular uma resposta imunológica”, disseram os autores. “Durante o desenvolvimento das vacinas, devemos monitorar atentamente as crianças por complicações da SIM-P à medida em que os imunziantes forem lançados.”

Essa resposta imune não é identificada, por outro lado, em pessoas mais velhas, conforme mostra o estudo de Harvard. Por isso, a SIM-P, ponderam Fasano e Lael, não pode ser tratada da mesma forma que um adulto com Covid-19. Um caminho promissor, segundo os médicos, pode ser o uso de antivirais para mitigar os riscos da síndrome em crianças que contraíram a Covid-19.

 

O Globo

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