“Eduardo ainda é líder?”, brincava um jornalista nos bastidores do programa Roda Viva, na última segunda-feira. O filho do presidente Jair Bolsonaro tinha chegado ao posto horas antes, após uma “guerra de listas”, em que o PSL, dividido, mudava de rumo a cada momento.
Em uma série de embates, que envolvem o antigo líder, Delegado Waldir, que, grampeado, chamou Bolsonaro de “vagabundo”, a deputada federal Joice Hasselmann, que acusa os filhos do presidente de disseminarem fake news, o presidente do partido, Luciano Bivar, alvo de operação da Polícia Federal, e a família presidencial, a sigla tornou-se uma panela de pressão.
Todos se perguntam se o caldo vai entornar ou se finalmente a temperatura vai baixar. De onde surgiu tanto fogo amigo?
Segundo analistas ouvidos pelo UOL, a raiz da maior crise do PSL desde que chegou ao poder está na disputa pelo controle político e financeiro do partido do presidente Jair Bolsonaro.
Quem tiver o comando da legenda definirá a estratégia nas eleições municipais de 2020, com papel fundamental na definição de candidatos, e administrará fundos que podem chegar a R$ 300 milhões ao longo do próximo ano.
Ainda de acordo com analistas, a pouca importância que Bolsonaro dá às instituições democráticas é outro componente da crise, cujo desfecho consideram imprevisível – estas avaliações assemelham-se à de Gustavo Bebianno, que ocupou a presidência do PSL em 2018 e a Secretaria-Geral da Presidência do país no começo do governo.
“É como um cristal”
“Como o nosso sistema de distribuição de fundo partidário, fundo eleitoral e horário de TV privilegia o desempenho nas últimas eleições, o partido se tornou o maior agraciado em termos dessas benesses que são distribuídas pelo poder público brasileiro. Sem dúvida nenhuma, isso está na origem de toda essa briga política que a gente está vendo”, afirma Bruno Carazza, economista e, pesquisador sobre financiamento eleitoral.
“A luta interna pelo poder, em relação também aos recursos do fundo partidário e do fundo de campanha eleitoral, exacerbou as diferenças de opiniões, de perspectivas e divisões [dentro do PSL]”, comenta José Álvaro Moisés, professor de ciência política do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo).
Crise atrás de crise
O bom resultado nas eleições de 2018 veio acompanhado de uma série de crises. No começo da ano, a Folha de S.Paulo revelou que o partido teve um esquema de candidaturas laranjas para desviar dinheiro público para empresas ligadas ao ministro do Turismo, Marcelo Antônio, deputado federal mais votado em Minas Gerais. O caso levou Bolsonaro a demitir do governo o secretário Bebianno, que havia comandado a legenda no ano passado.
Em agosto, o PSL expulsou o deputado federal e ator Alexandre Frota, que havia elevado o tom das críticas ao partido e ao presidente. O parlamentar tentava obter mais poder no diretório da legenda em São Paulo, rivalizando com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.
As divergências com Eduardo também levaram à decisão da semana passada de tirar a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso.
O papel de Bolsonaro
Esta última crise teve início no dia 8 com uma declaração do presidente Bolsonaro a um apoiador na saída do Palácio da Alvorada. Ele disse ao interlocutor que o presidente da sigla, deputado Luciano Bivar (PE), “está queimado pra caramba”, em referência ao caso das candidaturas laranjas. “Esquece o PSL”, chegou a cochichar.
“Ele [Bolsonaro] colocou para o público de um modo geral e para a classe política que ele não confiava no partido e não confiava no presidente do partido. Aí o problema se acentuou”, afirma Vera Chaia, professora de política da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “O governo Bolsonaro está fragilizado, não só por conta dessa crise, mas por ele mesmo”.
Para Álvaro Moisés, da USP, Bolsonaro também tem responsabilidade pela crise por dar pouca importância a instituições como os partidos. “Ele tem tido um comportamento típico de líderes populistas, que não dão grande atenção para as instituições democráticas, menosprezam as instituições democráticas, marginalizam e usam os partidos exclusivamente como trampolim de poder.”
O professor vê nisto semelhanças com Jânio Quadros e Fernando Collor, presidentes que também chegaram ao poder sem vínculos sólidos com partidos.
“É uma repetição de um modo de fazer política e disputar o poder que desgasta as instituições. De inédito nesse caso é que os gestos e o comportamento do presidente Bolsonaro são imprevisíveis. Não me lembro, na política brasileira, de alguém que usasse imagens, expressões de tão pouca qualidade, como ele usa”, analisa Moisés.
A favor do pai e contra os filhos
Como outros parlamentares do PSL, o senador Major Olimpio diz que não pretende deixar o PSL e que lutará pela permanência de Bolsonaro na legenda. Para ele, o problema é quem gravita em torno do mandatário.
“Queremos o presidente conosco. Vamos reconstruir para que o presidente continue no PSL. Mas não fazemos mais questão de ter no PSL esse entorno do presidente, essas trolhas que só atrapalham o presidente, só atrapalham a interlocução com o Congresso, com outros segmentos da sociedade.”
Olimpio diz que os filhos do presidente, os advogados Karina Kuffa e Admar Gonzaga e “alguns parlamentares que desconhecem a estrutura” do PSL “alimentaram o presidente com informações que não correspondem à verdade do dia a dia” do partido. O grupo, segundo o senador, queria dar um “golpe de mão” e tomar a direção nacional do PSL.
Partido nanico enchendo os cofres
As eleições de 2018 marcaram um salto enorme na história do PSL. O partido foi fundado por Luciano Bivar em 1994 e teve seu registro definitivo aprovado pelo TSE quatro anos depois. Durante as duas décadas seguintes, a legenda não obteve resultados expressivos nas urnas.
“O PSL era o que a gente chama na ciência política de pequeno partido de direita, partidos que vivem de alugar a legenda”, afirma o cientista político Oswaldo Amaral, da Unicamp. “Sempre foi um partido conservador, mas que vivia basicamente dessa lógica do sistema brasileiro, que permite sobreviver porque tem recursos do fundo partidário e tempo de propaganda de rádio e TV.”
Em 1998, o fundador do partido se tornou o primeiro deputado federal eleito pelo PSL. Bivar também chegou a se candidatar à Presidência da República em 2006, quando teve apenas 62 mil votos e terminou com a pior votação entre os sete candidatos que disputaram o cargo.
Em 2014, o PSL elegeu apenas um deputado federal, no Ceará. Dois anos depois, o partido passou a abrigar o movimento liberal Livres, que defendia a modernização da legenda. Mas a reviravolta viria com a filiação de Jair Bolsonaro e de seus aliados em 2018. Após a aliança do PSL com o bolsonarismo, o Livres deixou o partido e passou a atuar como grupo suprapartidário.
“A grande sacada do Bivar foi trazer o Bolsonaro”, opina Amaral. “Ele tinha uma porcentagem de intenção de voto bastante constante desde 2016, em torno de 10%, 12%. Então, ele tinha um cacife alto. Ele entrou, e eles montaram uma estratégia bastante inteligente, de colocar puxadores de voto. Foi o caso da Joice Hasselmann, dos filhos do Bolsonaro.”
Com Bolsonaro, o PSL se tornou o maior vitorioso da eleição de 2018.
Junto com os votos, vieram os recursos públicos. O PSL recebe hoje cerca de R$ 8 milhões por mês do fundo partidário. A estimativa é que o total chegue a R$ 100 milhões em 2019 – em todo o ano de 2018, haviam sido apenas R$ 7,2 milhões.
Para as eleições de 2020, as verbas também aumentaram. No ano passado, a legenda recebeu menos de 1% do fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão. Nas eleições de 2020, serão 11% de um valor que deve ser ainda maior. “É um partido que não tem programa, não tem uma proposta política, ou seja, é um partido criado para conseguir as benesses do poder”, comenta Vera Chaia, da PUC.
UOL