Os números da Covid-19 no Brasil neste ano ainda estão em níveis acima do pior visto em 2020, mas a queda nos dados de mortes e de internações pela doença sugere que há uma perspectiva de, com a vacinação em massa, controlar a pandemia até o fim do ano.
Epidemiologistas entrevistados pelo GLOBO afirmam que abrir mão das medidas de distanciamento agora é algo que ainda implicaria em muitas mortes adicionais, e o receio de novas variantes do vírus comprometerem a imunidade construída pelas vacinas é real.
Guardadas essas importantes ressalvas, porém, os especialistas já veem a perspectiva de o país começar o próximo ano numa situação com o vírus domado.
— Nós estamos vivendo agora um momento em que dá para ver uma luz no fim do túnel — afirma Paulo Petry, professor de epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. — As quedas de internações, de ocupação de leitos de UTI e de mortes podem ser atribuídas principalmente à vacinação, porque os grupos prioritários, com maior risco, em geral já receberam a vacina. Mas, na população, a parcela de vacinados ainda é baixa.
O Brasil atingiu nesta semana a marca de 12% da população totalmente imunizada (com duas doses); 22% tomaram apenas uma dose de imunizante. A fatia necessária para frear a pandemia só com vacinação, porém, é estimada em cerca de 70% da população plenamente vacinada.
Isso significa que, se o país continuar abrindo mão de medidas rígidas de distanciamento, o número de mortos até a campanha de vacinação chegar a um limiar razoável será muito maior.
Otimismo com cautela
Para Márcio Bittencourt, médico do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, a queda no número de internações observada ao longo de junho é uma boa notícia, mas inspira mais cautela que otimismo.
— Apesar de a situação estar melhor, a gente ainda está muito longe de estar bem. Se a gente estivesse no primeiro ano da pandemia, hoje a gente estaria no pior dia do ano — diz o cientista.
Bittencourt ressalta que, apesar de o Brasil não ver mais 3.000 mortes por Covid-19 por dia, as cerca de 1.600 que ocorrem agora mostram que o vírus ainda está fora de controle.
— Depois de uma queda aguda no número diário de mortes, a velocidade com que a queda ocorre está diminuindo — diz o médico.
Essa é a tendência mostrada pelo sistema Sivep/Gripe, do Ministério da Saúde, que contabiliza os casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), o diagnóstico de sintomas que caracterizam a Covid-19.
Após picos de internações (em março) e mortes (em abril), na média nacional a curva de óbitos se interrompeu em um platô (veja mais acima).
Essa é a situação observada em São Paulo, por exemplo. Mas há estados um pouco melhores, como o Rio, ou piores, como o Paraná. Quando os números são separados por idade , a presença da vacina (e a ausência das medidas de distanciamento) ficam claras.
— Quando olhamos os dados por faixa etária, nos grupos mais velhos os números estão caindo, mas nos grupos mais jovens os casos estão até subindo. Em alguns lugares, as hospitalizações também sobem nesse grupo — diz Leonardo Bastos, epidemiologista da Fiocruz. — Foi um acerto o país priorizar a vacinação das pessoas mais vulneráveis, mas a gente errou ao não cuidar das medidas para reduzir a transmissão dos casos mais leves.
Os especialistas também criticam no Brasil a ausência de um plano nacional de vigilância epidemiológica para a Covid-19.
Segundo Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o emprego de testes e de agentes comunitários de saúde para isolar pacientes e rastrear seus contatantes faria grande diferença na taxa de contágio.
— O problema é que o Brasil nunca fez isso em escala nacional, como fizeram a Inglaterra e outros países — diz Azevedo.
Para ela, mesmo com a vacinação avançando, existe o risco de uma nova variante da Covid-19 (como a delta, importada da Índia) sabotar a imunidade coletiva promovida pelas vacinas.
— Continua importante controlar portos e aeroportos para a chegada de nova variantes e investigar as cadeias de transmissão — diz.
O Globo