Uma cartilha dirigida a homens trans foi tirada do site do Ministério da Saúde na quarta-feira (2), seis meses depois de ser lançada. Produzido pela pasta em parceria com organizações não-governamentais, o material traz dicas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis voltadas para essa população: pessoas que, ao nascer, foram consideradas do sexo feminino, mas que se definem como do gênero masculino.
A retirada de circulação ocorreu um dia depois da posse do presidente Jair Bolsonaro e foi atribuída à necessidade se fazer correções no material. Uma das páginas da cartilha exibe um esquema do órgão sexual feminino e um desenho de uma espécie de seringa invertida, batizada de “pump”, usada para aumentar o clitóris.
O ministério justificou que o esquema deveria vir acompanhado de esclarecimentos. Não informou, no entanto, porque essa eventual “falha” foi identificada apenas seis meses depois do lançamento do material e se ele será colocado novamente no site.
O uso do “pump” é controverso, uma vez que poderia aumentar o risco de traumas, lesões e infecções no órgão sexual, afirmam técnicos do ministério. A argumentação ainda é de que a prática é feita para obtenção do prazer e, por isso, não deveria ser abordada pelo ministério.
Integrantes da equipe da pasta ligada à prevenção afirmam, no entanto, que o “pump” tem, sim, de ser abordado e que a inclusão foi feita justamente como um alerta para a necessidade de que a seringas somente sejam usadas com higienização adequada.
A diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, HIV/Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, é a primeira da lista de organizadores e colaboradores da cartilha. A reportagem entrou contato com ela, mas não obteve resposta.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também não se pronunciou. Em discurso feito na cerimônia de transmissão de cargo, na quarta-feira, 2, Mandetta afirmou ter compromisso com a família e com a fé. “Não se chega a cargo de tamanho de responsabilidade sem ter um compromisso muito grande com a família, com a fé, com o país, com a noção de pátria”, disse.
No papel
A cartilha também foi impressa e distribuída para serviços dirigidos à população trans em todo o País. A tiragem é de 23,5 mil exemplares. O material começou a ser entregue em novembro. A pasta ainda não definiu se irá recolher a cartilha ou se encaminhará uma errata, com advertências sobre o cuidado para o uso do pump.
Diretora em exercício do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo, Rosa de Alencar Souza, afirmou que o centro já iniciou a distribuição do material. “A cartilha traz informações importantes para essa população. Não há nada ali que justifique a retirada de circulação”, defende.
Rosa afirma ainda não haver nenhuma restrição à prática do pump. Coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Alexandre Saadeh, conhece a cartilha e acha que o material é importante. “Ali há informações relevantes sobre prevenção de doenças, os direitos dessa população no sistema de saúde, as prevenções de forma geral”, observa.
Um dos pontos abordados é o controle da natalidade. Sem informação correta, alguns homens trans imaginam que, com o uso do hormônio masculino para adquirir características masculinas, reduza por completo o risco de engravidar durante relações sexuais com outro homem. “Uma eventual retirada de circulação representaria uma perda, uma dificuldade de acesso a informações de saúde para essa população”, avalia o coordenador.
No Distrito Federal, a distribuição das cartilhas impressas também já teve início, informou José Abílio Fagundes, da secretaria distrital de Saúde. De acordo com ele, a receptividade tem sido boa.
Informações
Além de medidas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, a Cartilha para Homens Trans informa sobre todas as garantias dessa população no Sistema Único de Saúde (SUS). Ali consta, por exemplo, que trans têm o direito de ser chamados pelo nome social em toda a rede de saúde pública do Brasil. Isso significa ser chamado pelo nome masculino que o trans utilizada, mesmo que não seja o mesmo indicado nos documentos oficiais. Seguindo a mesma lógica, o Cartão SUS também pode trazer apenas o nome social.
O SUS tem uma política específica para pessoas trans, que inclui o processo de mudança das características físicas. Homens trans, por exemplo, têm direito de consultas com psicólogas, enfermeiras, assistentes sociais e médicos para fazer a terapia hormonal que proporcione características masculinas, como aumento dos pelos, maior propensão para ganho de músculos. Além disso, desde que preenchidos os critérios, é possível realizar cirurgia para retirada das mamas e para retirada do útero – duas estratégias que ajudam a reduzir e eliminar as características femininas.
Agência Brasil