O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello arquivou na noite desta segunda-feira o pedido de apreensão dos celulares de Jair Bolsonaro e seu filho, Carlos Bolsonaro, feito por partidos políticos e parlamentares para a investigação sobre a suposta interferência política do presidente na Polícia Federal (PF). Na mesma decisão, o ministro mandou, no entanto, um recado direto ao presidente da República, dizendo que não se pode falar em descumprimento de ordem judicial. Bolsonaro já havia declarado que se o STF determinasse a apreensão de seu celular não entregaria.
“Tal insólita ameaça de desrespeito a eventual ordem judicial emanada de autoridade judiciária competente, de todo inadmissível na perspectiva do princípio constitucional da separação de poderes, se efetivamente cumprida, configuraria gravíssimo comportamento transgressor, por parte do Presidente da República, da autoridade e da supremacia da Constituição Federal”, escreveu, reforçando em outro trecho de seu despacho: “Na realidade, o ato de insubordinação ao cumprimento de uma decisão judicial, monocrática ou colegiada, por envolver o descumprimento de uma ordem emanada do Poder Judiciário, traduz gesto de frontal transgressão à autoridade da própria Constituição da República”.
Celso de Mello sustentou que o STF, como parte do Poder Judiciário, tem competência, em ações penais, para determinar ordens em processos de investigação e estas devem ser cumpridas.
No mesmo texto, o ministro ressaltou, entretanto, que o poder judiciário também tem limites. Citou como exemplo que um juiz não pode arquivar sozinho uma investigação sem que houvesse manifestação do Ministério Público, a quem cabe apurar os fatos e oferecer denúncia. Por esse motivo, Celso de Mello rejeitou o pedido feito por partidos políticos que tinham solicitado a apreensão dos celular de Bolsonaro. Segundo ele, solicitar ou não diligências depende de requisição do Ministério Público.
O ministro ponderou ainda que o STF tem noção do momento em que o país passa. “Torna-se essencial reafirmar, desde logo, neste singular momento em que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios, que o Supremo Tribunal Federal, atento à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade político-jurídica das ideias que informam e que animam o espírito da República”, disse, acrescentando: “Esta Suprema Corte possui a exata percepção do presente momento histórico que vivemos e tem consciência plena de que lhe cabe preservar a intangibilidade da Constituição que nos governa a todos, sendo o garante de sua integridade, de seus princípios e dos valores nela consagrados, impedindo, desse modo, em defesa de sua supremacia, que gestos, atitudes ou comportamentos, não importando de onde emanem ou provenham, culminem por deformar a autoridade e degradar o alto significado de que se reveste a Lei Fundamental da República”.
Celso de Mello destacou ainda que todas as autoridades devem respeitar a Constituição, caso contrário haveria uma “inaceitável subversão da autoridade e do alto significado do Estado Democrático de Direito ferido em sua essência pela prática autoritária do poder”. E apontou: “No Estado Democrático de direito, por isso mesmo, não há espaço para o voluntário e arbitrário desrespeito ao cumprimento das decisões judiciais, pois a recusa de aceitar o comando emergente dos atos sentenciais, sem justa razão, fere o próprio núcleo conformador e legitimador da separação de poderes, que traduz postulado essencial inerente à organização do Estado no plano de nosso sistema constitucional, dogma fundamental esse que alguns insistem em ignorar.”
Segundo ele, o Poder Judiciário quando emite ordens judiciais não está ferindo a atribuição de outro Poder. E que se o objeto da ação se sente prejudicado tem a via legal e única de recorrer da decisão proferida. “Torna-se vital ao processo democrático reconhecer que nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito ao texto da Lei Fundamental, sob pena de inaceitável subversão da autoridade e do alto significado do Estado Democrático de Direito ferido em sua essência pela prática autoritária do poder”.
O Globo