O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público da Paraíba (MP/PB) ajuizaram uma ação civil pública com pedido de liminar em face da União, do Estado da Paraíba, do Município de João Pessoa, das empresas Intermed Equipamento Médico Hospitalar Ltda e Lifemed Industrial de Equipamentos e Artigos Médicos e Hospitalares S/A, e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O objetivo é garantir a implementação integral de todos os leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) previstos no plano de contingência para enfrentamento da pandemia de covid-19 na Paraíba, e eventuais atualizações decorrentes de evolução da situação.
Na ação, pede-se que a Justiça determine a suspensão dos efeitos da requisição administrativa da União que atingiu 84 respiradores pulmonares comprados pela Paraíba. Procuradores da República e promotores de Justiça também pedem que a empresa Intermed Equipamento Médico Hospitalar Ltda, que vendeu os respiradores, seja obrigada a entregar os equipamentos à Secretaria de Estado da Saúde (SES), em 72 horas, conforme estabelecido no contrato de compra e venda, firmado ainda em abril, entre o governo estadual e a referida empresa, no valor de R$ 4.368.000,00.
Caso os 84 respiradores não estejam mais no estoque da empresa e já se encontrem na posse da União, os órgãos fiscais da lei pedem à Justiça que a União seja obrigada a enviar à Paraíba quantitativo equivalente aos 84 respiradores comprados pelo Estado. Se a Intermed e a União descumprirem a determinação judicial, os Ministérios Públicos pedem que seja aplicada multa diária de R$ 200 mil aos réus.
Para o MPF e o MPPB, a requisição dos respiradores feita pela União não encontra respaldo jurídico perante a Constituição Federal, que reconhece a autonomia dos entes federativos em seus artigos 1º, 18, 25 e 30, situação que impede que um deles assuma, mediante simples requisição administrativa, o patrimônio, quadro de pessoal e serviços de outro ente político. Mais ainda, o ato da União atingiu relação contratual que já havia sido firmada anteriormente à requisição.
Os autores da ação apontam que tal medida não partiu de diálogo com os demais entes federados e mencionam a falta de transparência de dados e critérios de decisão, sendo que a União requisitou os equipamentos, atropelando contratos firmados por estados e municípios, e passou a enviar respiradores em etapas para alguns estados (entre os quais a Paraíba) sem esclarecimentos quanto a estoques disponíveis, produção prevista, cronograma ou prioridades de distribuição.
Respiradores locados
A ação civil pública também pede que a Justiça determine a entrega de dez respiradores pulmonares de longa permanência, em até 72 horas, pela empresa Lifemed, ao Hospital Municipal Santa Isabel, em João Pessoa, para que seja cumprido integralmente o contrato de locação firmado pela União. Caso a Lifemed descumpra a determinação judicial, a ação pede que seja aplicada multa diária de R$ 200 mil à empresa.
Notificada pelo MPF, a empresa reconheceu o descumprimento do contrato por suposta inadimplência de fornecedores sediados na Argentina e na China, mas informou que já havia encaminhado cinco kits de respiradores para o Hospital Santa Isabel. No entanto, verificou-se que os cinco respiradores entregues pela Lifemed não eram ventiladores de longa permanência, mas apenas de transporte, inadequados para atender os pacientes internados por covid-19 que necessitam permanecer no hospital por extensos períodos. Após novamente notificada, a empresa admitiu que os cinco respiradores que enviara para o município de João Pessoa eram inadequados e não atendiam às especificações do contrato.
Transparência e planejamento
Os órgãos fiscais da lei pedem ainda que seja determinado à União que apresente à Justiça, no prazo de 72h, o demonstrativo dos estoques das empresas nacionais atingidas pela requisição de equipamentos emitida pelo Governo Federal. O pedido também inclui apresentação do cronograma de produção, critérios (indicando todos os destinatários desses aparelhos até o momento, com a devida justificativa da ordem de prioridade) e apresentação do cronograma de distribuição nacional dos respiradores, esclarecendo ainda se promoveu alguma aquisição internacional desses produtos com indicação de quantitativos e destinação prevista.
Pedem ainda que a União, a Ebserh (responsável pela gestão do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba), o Estado da Paraíba e o Município de João Pessoa realizem e apresentem em juízo, no prazo máximo de cinco dias, um planejamento comum e integrado para implantação dos leitos de UTI que ainda sejam necessários no estado, ressaltando que a suficiência do plano a ser apresentado deve ser reavaliada constantemente, de modo a definir a quem caberá a aquisição de respiradores, considerando, inclusive, estudos da viabilidade quanto à disponibilidade do mercado nessa situação excepcional de desabastecimento atualmente vivenciada na Paraíba.
Os autores destacaram que a implementação das UTIs em questão tem enfrentando atrasos e obstáculos que decorrem principalmente da falta de articulação eficiente entre os entes locais e a União, já que esta pretendeu promover uma centralização do controle da oferta de respiradores em todo o país (requisitando toda a produção das principais empresas nacionais do setor), mas não implementou a outra faceta inerente a essa medida, que seria a distribuição organizada e transparente dos equipamentos.
Por fim, os Ministérios Públicos pedem que a Justiça determine a indicação e comprovação em juízo, pela União, Estado da Paraíba e Município de João Pessoa, no prazo máximo de cinco dias, de todos os meios possíveis de que já se utilizaram ou estão a se utilizar para obtenção do fornecimento dos referidos aparelhos em número suficiente para suprir o plano de contingenciamento.
Tentativas fracassadas
Ainda segundo a ação, diante da retenção feita pela União dos 84 respiradores que havia comprado da empresa Intermed, o Estado da Paraíba passou a buscar celebrar contratos com outras empresas fornecedoras de respiradores pulmonares, tanto de forma independente quanto por meio do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste.
No entanto, uma das empresas contratadas pelo consórcio, a Hempcare Pharma Representações Ltda, deixou de entregar equipamentos contratados e de restituir R$ 4.947.535,00 transferidos pela Paraíba, a partir de contrato de rateio celebrado no âmbito do Consórcio Nordeste; sendo que outra empresa contratada pelo consórcio, a Pulsar Development International Ltda, também se encontra inadimplente quanto à execução tempestiva de contrato firmado com o consórcio, no valor de R$ 7.554.562,88, para aquisição de equipamentos para a Paraíba.
“Percebe-se que a atuação isolada de cada ente tem sido infrutífera diante da aparente escassez de oferta no mercado, podendo conduzir não apenas ao fracasso do plano de completa estruturação de UTIs em todo o Estado, como também ao desperdício de recursos públicos (aquisição por preços maiores, sem garantias efetivas de preço e qualidade)”, apontam os autores da ação. Acrescentam ainda que seria mais adequada ao contexto uma atuação integrada e coordenada entre a União e os referidos entes públicos locais.
Atuação extrajudicial
Desde o mês de março de 2020, o MPF e o MPPB, ao lado do Ministério Público do Trabalho (MPT), têm adotado, diariamente, inúmeras providências para fiscalizar o efetivo cumprimento das políticas públicas capazes de garantir a prestação do serviço de saúde pública à população, especialmente, aos pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Para tanto, foi instaurado o Procedimento Administrativo 1.24.000.000420/2020-51 e realizadas, desde o início da pandemia, inúmeras reuniões diárias com diversos órgãos das esferas federal, estadual e municipal, solicitando esclarecimentos, bem como demandando que medidas sejam adotadas pela administração pública a fim de combater a pandemia causada pelo coronavírus na Paraíba.
Foram enviados, inclusive, sucessivos ofícios ao Ministério da Saúde, via Gabinete Integrado da Procuradoria-Geral da República, solicitando esclarecimentos sobre medidas relativas a todos os pontos elencados na ação. Porém, não se obteve resposta aos pleitos, nem sequer sobre os alertas quanto à flagrante inexecução de contrato firmado pelo Ministério da Saúde com empresa locatária. Dessa forma, não restou alternativa para o MPF e MP estadual, além da propositura de ação civil pública para afastar possíveis riscos de colapso da rede de saúde da Paraíba, sem a ampliação imediata da sua oferta de leitos e equipamentos para UTIs.