O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), também pré-candidato à Presidência, usou um discurso na Câmara dos Deputados para disseminar ódio contra minorias. A avaliação consta de voto do desembargador Rui Cascaldi, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), em um recurso movido por uma ONG que defende direitos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
Apesar de reconhecer que Bolsonaro “disseminou ódio”, o relator apontou que, por ter imunidade parlamentar, o pré-candidato não poderia ser responsabilizado pelo que havia dito.
O discurso em questão ocorreu em junho de 2015, dias após a realização da Parada do Orgulho LGBT em São Paulo. As palavras de Bolsonaro levaram a ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual) a apresentar uma ação civil pública com pedido de indenização por danos morais contra o parlamentar. A organização não governamental não foi encontrada para se manifestar sobre a decisão.
A ação foi rejeitada em primeira instância pela juíza Flávia Poyares Miranda. A decisão foi mantida no dia 18 do mês passado pelos três desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP. É nesse acórdão que aparece a menção à disseminação de ódio por parte de Bolsonaro.
Em seu voto, Cascaldi reafirma que Bolsonaro não negou as declarações contra a comunidade LGBT. “Nada disso é negado pelo réu e, embora se reconheça tratar-se de que um discurso que dissemina o ódio contra a minoria representada pela autora, não há dúvida que, estando ele no exercício de seu mandato de deputado federal e tendo proferido tal discurso no uso de suas atribuições, goza de imunidade parlamentar”, concluiu o desembargador.
Cascaldi escreveu ainda que o discurso “alegadamente ofensivo proferido pelo apelado [Bolsonaro] é incontroverso, tendo sua defesa se limitado à impossibilidade de ser punido civil ou criminalmente por sua condição parlamentar que lhe garante imunidade, ressaltado que tais afirmações foram proferidas em plenário, em meio a uma sessão do Parlamento”.
Na ocasião, Bolsonaro criticou a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo daquele ano. Ele classificou as manifestações de participantes do evento como “um festival de baixarias”. “Eu não vi nenhum deputado do PT, do PSOL e do PCdoB se manifestarem contrários a esse festival de baixaria e desrespeito para com as famílias brasileiras. Esse mesmo tipo de gente é que me processa”, afirmou o deputado.
Em outro momento, Bolsonaro diz duvidar que o pai biológico de uma criança levaria seu filho ou sua filha para a Parada do Orgulho LGBT e criticou a adoção de crianças por casais homoafetivos. “Uma pergunta: o que uma criança, talvez de 7 ou 8 anos, faz numa parada gay? Eu duvido que o pai legítimo, biológico, dessa criança a colocaria numa situação dessas, como está aqui. Com toda a certeza, é uma criança adotada por um desses casais que falam em família”, disse Bolsonaro.
Imunidade parlamentar foi base para a defesa
A proteção às manifestações políticas é garantida pelo artigo 53 da Constituição Federal, segundo o qual “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Questionado pela reportagem do UOL, nesta terça-feira (26), Bolsonaro contou que não sabia da decisão. Em tom de brincadeira, disse que é alvo de tantos processos que seus advogados só o avisam quando ele perde algum.
Para ele, o teor do voto do relator foi “esquisito”. “Ódio, ódio… Fica esquisito isso. Toda hora ódio. Não vamos maltratar o português aqui. Se isso não é opinião, eu não sei o que é”, declarou, ressaltando que é investido de imunidade parlamentar. “Eu posso opinar sobre o que eu bem entender.”
Denúncia por racismo
Este não é o único processo ao qual Bolsonaro responde por conta de declarações polêmicas.
Em abril deste ano, o presidenciável foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela prática de racismo e manifestações discriminatórias contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs.
A denúncia se refere a um episódio ocorrido em abril de 2017 no qual, segundo a denúncia, ele teria usado expressões de cunho discriminatório, incitando o ódio e atingindo diretamente vários grupos sociais. Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a conduta do deputado foi “ilícita, inaceitável e severamente reprovável”.
Na ocasião, durante palestra, Bolsonaro disse que “afrodescendentes” quilombolas “não fazem nada e nem para procriador (sic) eles servem mais” e que as reservas indígenas e quilombos atrapalham a economia do país.
Segundo a denúncia, Bolsonaro “tratou com total menoscabo os integrantes de comunidades quilombolas” e incitou “a discriminação entre seus ouvintes em relação aos estrangeiros”.
A denúncia diz ainda que as manifestações do deputado, “de incitação a comportamento e sentimento xenofóbico, reforçam atitudes de violência e discriminação que são vedadas pela Constituição e pela lei penal”.
Em defesa apresentada ao STF na semana passada, o deputado afirmou que a PGR tirou frases suas de contexto para denunciá-lo.
A defesa de Bolsonaro disse ainda que a Procuradoria “preferiu o caminho fácil de ofertar denúncia, com certo oportunismo diante da campanha eleitoral que se avizinhava”.
O deputado já é réu em duas ações penais sobre temas semelhantes: uma movida pela PGR e outra pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), alvo da declaração que motivou os processos. Ele disse, no plenário da Câmara e em entrevistas, que não estupraria a colega porque ela “não merecia”.
O presidenciável tem afirmado que suas declarações estão resguardadas pela imunidade garantida a manifestações de parlamentares.
Uol