Era maio de 2015, e a presidente Dilma Rousseff tinha um problemão no Senado: a indicação do advogado Edson Fachin para ministro do Supremo Tribunal Federal seria votada em alguns dias e corria o risco de ser rejeitada. Fachin tinha um opositor de peso: Renan Calheiros, então presidente do Senado, que apoiava outro candidato. Não só articulava nos bastidores contra Fachin, como também ameaçava atrapalhar a aprovação de uma medida provisória de ajuste fiscal.
A solução encontrada por Dilma foi recorrer ao bom e velho toma lá dá cá, distribuindo mais de cem cargos e muito dinheiro em emendas ao Orçamento para conseguir o que queria. No comando das articulações, estava um velho aliado dos petistas: o senador Ciro Nogueira, já então uma liderança do Centrão, que ganhou o controle da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e vários outros mimos.
Saldo final: a nomeação de Fachin passou com folga no Senado na semana seguinte. Dias depois, a medida provisória também foi chancelada. Já se falava então no impeachment de Dilma, mas ainda como hipótese improvável.
O mesmo Ciro Nogueira entra em campo agora para desatar alguns nós igualmente complicados para Jair Bolsonaro. Seu cacife subiu bastante: Nogueira, que continua mandando na Codevasf, agora ocupará ele mesmo a Casa Civil. E, além de cuidar da aprovação de André Mendonça para o STF, tem a missão de organizar a distribuição de emendas no Senado para garantir a vitória do governo em votações fundamentais.
Com menos ministérios e muitos militares ocupando espaços de poder, Bolsonaro não tem tantos cargos quanto Dilma para negociar. Mas tem algo que ela não tinha: uma bolada bilionária para entregar ao Congresso de forma completamente discricionária e sigilosa.
É o orçamento secreto, modalidade de emenda parlamentar criada em 2019 que não exige a identificação de quem é o padrinho de cada destinação de recursos. O relator do Orçamento assina o empenho, e a verba cai direto na base de cada parlamentar. Dessa forma, fica mais difícil a oposição e a imprensa entenderem os critérios para a aplicação dos recursos públicos e identificarem eventuais negociatas.
Não estamos falando de pouco dinheiro: só em 2021 são R$ 16,8 bilhões, R$ 11 bilhões para os deputados e outros R$ 5,8 bilhões para os senadores. A parte da Câmara está administrada e sob o comando de seu presidente, Arthur Lira (PP-AL), também do Centrão. No Senado, a liberação do dinheiro andava emperrada, com o ex-presidente Davi Alcolumbre e a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, se digladiando pela prerrogativa de comandar a negociação.
Alcolumbre, que começou a fustigar Bolsonaro depois de ser preterido para uma vaga em seu ministério, vem trabalhando firme contra Mendonça no Senado. Ameaça até não pautar a indicação para avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que ele comanda.
Ao colocar Ciro Nogueira na Casa Civil, Bolsonaro espera poder destravar ao mesmo tempo a liberação das emendas do orçamento secreto e a nomeação de Mendonça para o STF. Nogueira, portanto, vai para o ministério para tocar o mais puro e eficiente toma lá dá cá que existe: com dinheiro vivo e pagamento sem recibo.
Os efeitos dessa mudança vão além. Ao substituir o general que hoje ocupa a Casa Civil, no momento em que os militares vivem um inferno astral na CPI da Covid, Bolsonaro desiste de continuar se equilibrando entre militares e o Centrão e entrega ao bloco não só seu principal mecanismo de “convencimento” do Congresso Nacional, como também seu futuro político.
Não dá nem para chamar de ironia do destino o fato de Ciro Nogueira já ter sido aliado de Lula e Dilma. O presidente conhece bem seu novo ministro. Sabe que a história está aí para quem quiser lembrar. Também não adiantará reclamar quando o Centrão entender que já tirou dele tudo que podia e o deixar para trás, como já fez com outros mandatários no passado.
Bolsonaro pode apregoar quanto quiser que é um político antissistema, perseguido pelas conspirações mais mirabolantes. Mas poucas coisas se provam mais resilientes em Brasília que o velho axioma: quanto mais fraco está um governo, melhor ele é para o Centrão. Desse ponto de vista, um governo que começou ruinzinho evoluiu para o bom e agora está ótimo. Para o presidente da República, não resta outra opção a não ser fazer com que fique ainda melhor para o Centrão. Do contrário, a história bem pode se repetir — até o final.
O Globo