Numa vitória do ministro Paulo Guedes (Economia), a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (19) o texto-base da medida provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras. Com apoio de partidos da base do governo, a venda da estatal avança no Congresso, que arrastava essa discussão desde o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
O texto-base foi aprovado por 313 votos a favor e 166 contrários. Agora, os deputados vão analisar sugestões para modificar a MP (medida provisória). Depois disso, a proposição vai ao Senado. A MP perde validade em 22 de junho.
Além da privatização, a proposta em análise pela Câmara prevê o uso de recursos do setor elétrico para programas de transferência de renda e exige a contratação de termelétricas a gás natural.
A MP foi enviada pelo presidente Jair Bolsonaro há cerca de três meses. Foi uma sinalização ao mercado de que a agenda liberal de Guedes segue de pé.
No ano passado, Guedes e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) entraram em atrito por causa do plano de privatizar a Eletrobras. Em 2021, com a Câmara sendo comandada por um aliado, o deputado Arthur Lira (PP-AL), o governo enviou a MP e tenta aprová-la até o fim de junho nas duas Casas.
De acordo com o texto, a privatização se dará da seguinte forma: haverá um aumento do capital social da Eletrobras pela emissão de ações ordinárias (com direito a voto), de forma a diluir a participação da União na empresa. Assim, a União passará a ser minoritária, em torno de 45%.
De acordo com dados de abril deste ano, a União tem 51,82% das ações ordinárias da Eletrobras. O BNDES e o BNDESPar detêm 16,78%, e fundos de governo ficam com 3,62%. A MP permite ainda que a União faça uma oferta secundária de ações, vendendo sua própria participação na empresa.
A votação na Câmara foi antecedida por controvérsias. A oposição entrou com ações no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar barrar a votação da medida provisória. A tentativa foi frustrada e Lira manteve a votação. “Minha obrigação como presidente da Câmara dos Deputados é buscar diálogos e construir consensos”, escreveu o deputado em uma rede social.
O relator do texto, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), incluiu trechos na proposta que não estavam na versão enviada pelo governo, inclusive condições impostas para a privatização da Eletrobras.
O recuo mais recente foi na noite desta quarta-feira (19), quando Nascimento retirou a exigência de contratação de termelétricas a gás natural antes da privatização. Ele manteve a previsão de que essas operações devem acontecer, porém não mais antes da desestatização da Eletrobras.
Esse ponto ainda foi alvo de contestação de deputados. Segundo o relator, o objetivo é garantir a segurança energética na fase de transição decorrente da privatização e incentivar o mercado de gás natural.
O líder do MDB na Câmara, o deputado Isnaldo Bulhões (AL), defendeu a volta da MP original. “Foi um texto e um caminho elaborado pelo governo do presidente [Michel] Temer, tratando única e exclusivamente da desestatização da Eletrobras por meio de capitalização”, afirmou.
O Novo, partido alinhado com a agenda liberal do governo, apoiou a privatização, mas, diante das mudanças feitas pelo relator, a sigla mudou de lado e passou a votar contra o texto.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) qualificou a votação como um “escândalo” e disse que a MP atende a interesses privados. “Os trabalhadores deram a sua vida pela Eletrobras e estão agora com a faca no pescoço da demissão, graças a um processo, a um projeto privatista com método autoritário”, disse.
Para o presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres), Paulo Pedrosa, a versão mais recente do texto irá aumentar o custo de produção das empresas e isso será repassado aos preços.
“O relator está fazendo uma minirreforma no setor elétrico na direção contrária do projeto original, que era de modernização”, disse. “Ele está socializando os custos e privatizando os benefícios.”
O principal ponto criticado é o que Pedrosa chama de reserva de mercado, as exigências de contratação de pequenas centrais hidrelétricas e térmicas, mais caras.
O parecer de Nascimento prevê que, antes da desestatização da Eletrobras, será criada uma nova estatal, que manterá sob controle da União a Eletrobras Termonuclear e a Itaipu Binacional. O texto também diz que, na reestruturação societária, as subsidiárias da Eletrobras poderão ser incluídas nessa nova empresa pública.
Em seu parecer, Nascimento acatou pedido do governo e propôs usar recursos do setor elétrico para programas de transferência de renda.
O texto prevê que eventual superávit gerado por essa nova empresa pública, que poderá ser estatal ou sociedade de economia mista, será repartido da seguinte forma: até 2032, 75% a serem transferidos para CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e 25% para programa de transferência de renda.
Os recursos para a CDE, segundo o relator, serão para a redução de tarifas no mercado cativo, que envolve residências e pequenos estabelecimentos comerciais. Esse será o mesmo objetivo do dinheiro da outorga da privatização da Eletrobras.
De 2033 em diante, o superávit da nova estatal será dividido entre a própria empresa (25%), CDE (50%) e programa social (25%).
Os empregados da Eletrobras poderão adquirir ações remanescentes em poder da União tanto da empresa como das controladas direta ou indiretamente por ela. O Executivo poderá aproveitar os empregados da Eletrobras e de suas subsidiárias em outras empresas públicas federais, em cargos de mesma complexidade e vencimentos similares. O governo, porém, não se comprometeu a sancionar o trecho.
A MP proíbe que acionistas ou grupo de acionistas tenham mais de 10% das ações com direito a voto da Eletrobras, além de criar uma “golden share”, ação detida pela União e que dá poder de veto nas deliberações sociais da empresa.
Para conseguir apoio à MP, o relator teve que recuar em diversos pontos considerados polêmicos e que estavam em versões preliminares do texto, como a tentativa de destinar à Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), estatal comandada por apadrinhados do centrão, o controle do dinheiro de obras direcionadas ao Nordeste e para os reservatórios de Furnas, em Minas Gerais. Os recursos serão pagos por concessionárias que vencerem a privatização da Eletrobras.
Para a advogada Helena Guimarães, sócia do Vieira Rezende Advogados, o texto pode ser judicializado, embora considere a MP é sólida. “Uma vez que é uma MP que foi amplamente discutida, é baixo o risco de ser judicializada por esse motivo. Mas acho que a privatização da Eletrobras como um todo tem muita discussão, então sempre vão tentar judicializar.”
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ELETROBRAS
– Mais de 120 usinas de geração da energia
– Capacidade instalada superior a 51 mil MW
– Mais de 80% de base hidráulica
– 366 subestações de energia
ENTENDA OS PRINCIPAIS PONTOS
– Privatização por meio da capitalização, com a emissão de ações ordinárias (com direito a voto) sem que a União compre os papéis, diluindo a fatia que possui na empresa;
– A MP exige uma reestruturação societária, com a criação de uma estatal que manterá sob controle da União a Eletrobras Termonuclear e a Itaipu Binacional;
– Além disso, exige a contratação de térmicas a gás natural, pequenas centrais hidrelétricas e prorroga o Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica);
– Representantes da indústria dizem que as exigências representam uma reserva de mercado, pois são energias caras e empresas não competitivas;
– Os funcionários poderão comprar ações remanescentes da União; o Executivo poderá aproveitá-los em outras empresas públicas;
– Recursos da outorga e eventual superávit da nova estatal serão destinados à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para baratear custo para residências e pequenos comércios;
– Um quarto do superávit da nova estatal será destinado a programas de transferência de renda.
FOLHAPRESS