O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, em entrevista à TV Record, que deve sair do PSL e trabalhar para criar outro partido . “A probabilidade de eu sair do partido é de 80% e de criar um novo [partido] é de 90%. Um novo partido que vai começar do zero, sem televisão, sem fundo partidário, nada”, afirmou. Embora barulhenta, a crise partidária que se instalou na cúpula nacional do PSL é apenas a parte mais visível de uma disputa por poder na sigla. O racha interno entre apoiadores do presidente Bolsonaro e do presidente nacional do partido, Luciano Bivar , é mais profundo e já se manifesta em diversos estados. Além dos casos notórios envolvendo os filhos do presidente nos diretórios do PSL em São Paulo e no Rio de Janeiro, há embates declarados hoje em Minas Gerais, Ceará, Goiás, Bahia e Rio Grande do Sul.
Na avaliação de alguns dirigentes estaduais, foram os desentendimentos nos estados que alimentaram ao racha na cúpula partidária — e não o inverso.
— Às vezes a gente acha que a questão é só lá em cima, mas a briga por poder interno começou nos estados, e foi isso que levou à crise nacional — disse o coordenador jurídico do PSL em Goiás, Luiz Cesar Barbosa Lopes.
Atualmente, dos 26 diretórios estaduais do partido, apenas três são ligados ao chamado bolsonarismo: São Paulo, sob o comando de Eduardo Bolsonaro; Rio, com Flávio Bolsonaro; e Minas Gerais, controlado por Gustavo Graça. Com exceção do Distrito Federal — desativado há um mês, com a saída de Bia Kicis —, os presidentes dos demais diretórios foram nomeados diretamente por Bivar.
No próximo dia 31 de dezembro, 19 desses diretórios perderão a validade e precisarão ser redefinidos.
Terra arrasada
Nos diretórios de São Paulo e Rio de Janeiro, os atuais presidentes estaduais estão destituindo o maior número possível de diretórios municipais ligados ao grupo de Bivar.
Próximo ao presidente do PSL, Júnior Bozzella é o mais cotado para assumir o diretório estadual de São Paulo caso Eduardo Bolsonaro seja apeado. O deputado federal afirma que, assim que assumir, vai trabalhar para recuperar os órgãos desativados.
— Já tenho todo o levantamento, tenho controle do estado inteiro. A gente vai restabelecer tudo — declarou.
No Ceará, dois bolsonaristas, os deputados estaduais André Fernandes e Delegado Cavalcante, romperam com o atual presidente do partido, o deputado federal Heitor Freire, e pediram em junho o afastamento dele por supostas irregularidades na nomeação de membros do diretório estadual e de uso ilegal de verba parlamentar. O presidente foi mantido à frente da legenda por Bivar.
Freire foi acusado por Bolsonaro de ter vazado o áudio em que ele articulava a nomeação do filho Eduardo para líder do PSL na Câmara. O deputado federal confirma que a conversa vazada era entre ele e o presidente, mas nega ter sido o autor do vazamento.
— Eu cansei de acompanhar o Bolsonaro. Desde 2014 eu o vejo entrando e saindo de partidos pelas mesmas razões e eu o segui. Quero parar num lugar — afirmou.
Em Goiás, há um racha no partido entre os deputados delegado Waldir e Major Vitor Hugo, desde a eleição de 2018. O primeiro preside o PSL goiano desde o início deste ano com apoio de Bivar, mas perdeu em outubro a liderança da bancada do PSL na Câmara após ter chamado Bolsonaro de “vagabundo” numa reunião partidária. Vitor Hugo é líder do governo na Casa.
No Rio Grande do Sul, os deputados federais Bibo Nunes e Nereu Crispim representam alas opostas no Congresso Nacional. Questionado sobre um eventual interesse do correligionário em ocupar o seu cargo, Crispim, presidente do diretório estadual, perguntou ironicamente: “Quem é Bibo Nunes?”. Por sua vez, Nunes afirmou não ter interesse em assumir o diretório porque deve sair do PSL.
A briga mais evidente na Bahia fica entre a deputada estadual Talita Oliveira e a deputada federal Dayane Pimentel. Talita critica a correligionária desde que o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), nomeou o marido de Dayane, Alberto Pimentel, para ocupar a secretaria do Trabalho e Esportes, em 2018. A “guerra das listas” deflagrada no Congresso — na qual os 53 deputados do PSL se dividiram entre apoiadores de Eduardo Bolsonaro e de Delegado Waldir para o cargo de líder do partido na Câmara— também incendiou a relação entre Dayane e Talita. A primeira apoiou a manutenção de Waldir e foi atacada pela adversária nas redes sociais.
A maioria dos dirigentes no comando do PSL nos estados prefere não tomar partido na briga entre Bolsonaro e Bivar.
— Sou Bolsonaro, minha esposa (deputada Soraya Manato) vota tudo com o governo, mas não vou entrar na briga de ninguém nem vou deixar o PSL — afirmou o presidente do PSL do Espírito Santo, Carlos Manato.
O principal argumento dos dirigentes para permanecer no partido é o esforço que dizem ter feito para regularizar a sigla.
— Aqui no Amapá o PSL já é o partido com maior número de filiados. Foi muito trabalho para regularizar tudo. Vamos abandonar tudo isso? — justificou o presidente estadual, Guaracy Junior.
Bolsonaro
Ontem, em entrevista à TV Record, o presidente Jair Bolsonaro disse que são grandes as chances de deixar o PSL .
— É 80% para sair e 90% para criar um novo partido, que vai começar do zero. Sem televisão, sem fundo partidário, sem nada. O meu sonho, eu acho difícil eu assumir o controle do partido, é criar um partido agora que a gente possa conseguir assinatura eletrônica junto do eleitorado. Até março teria um partido e eu teria aí, dos quase seis mil municípios, talvez umas 200 candidaturas pelo Brasil — disse.
O Globo