“Temporada histórica. Algumas pessoas dizem que foi a melhor de todos os tempos. Eu acho que é. Mas eu sou suspeito para falar. A gente falou de assuntos muito importantes aqui dentro. A gente conseguiu falar com leveza e inteligência de assuntos muito difíceis”, foi com esse discurso que o apresentador do Big Brother Brasil, Tiago Leifert, resumiu a edição do programa na noite da grande final.
A casa começou dividida entre pessoas anônimas que passaram pela tradicional seleção de inscritos e convidados famosos, e levantou questionamentos da possível disputa injusta entre pessoas que acumulam milhões de seguidores nas redes sociais e quem era completamente desconhecido pela mídia.
Repleta de influenciadores digitais, a edição parecia montada para dar o prêmio a um famoso. Mas ontem (28), a participante dona de uma história de superação e contradição de estatísticas ganhou o tão sonhado prêmio de R$1,5 milhão de reais.
Negra, mulher, médica, e agora, milionária. Thelma Assis venceu mais uma disputa na vida. A única do trio de finalistas que se inscreveu para concorrer ao prêmio, agora entra não só para o rol de vencedores do programa como para o de milionários. Thelma marcou o programa ao gerar debates sobre machismo e racismo, além de mostrar aos telespectadores como a sororidade funciona na prática.
“Thelminha, representar é o que você faz de mais bonito. Quando caiu o muro, e vocês viram o que estava do outro lado… A Thelma foi a primeira a bater no peito e a falar: ‘Não tenho medo de nenhum deles’. Sabe por que a Thelma foi esse ícone? Porque ela está acostumada. A Thelma estava sempre contra a estatística. Ela ‘samba na cara’ da sociedade”, disse o apresentador ao comentar sobre a participação da médica no programa.
Mas o que significa uma mulher negra vencendo no Brasil de 2020? No Brasil da execução de Marielle, do racismo como promessa de campanha, o Brasil das violências e violações contra pretas?
Há quem diga que a tão festejada vitória de Thelma é “reparação histórica” (num pleonasmo bem-humorado, claro) pela edição passada, cuja vencedora fez os comentários mais racistas da história do programa. Mais do que isso, eu diria, é um sinal de que o Brasil antirracista está vivo apesar dos apuros.
O racismo à brasileira agora dará conta do discurso que costuma emplacar sempre que um preto vence: a vitória não é um mérito, mas um resultado de vitimização.
Só que não.
Thelma já entrou no BBB vitoriosa. Seu prêmio é ser bem-sucedida e ir tão longe em um país que a detesta. Ela já nos dizia muito e dizia muito sobre nós, Brasil, antes de ser milionária: uma médica negra retinta em um país como o nosso ainda é um acontecimento.
Quando uma mulher preta vence – seja lá o que for – no Brasil desses tempos terríveis, vencemos todos: negros e não-negros, espectadores ou não da rede globo, todos nós, progressistas, que queremos um Brasil que olhe para suas minorias com mais respeito e menos altivez.
Fernanda Pinheiro com DCM