Por Reinaldo Polito, do UOL
Lágrimas não são argumentos
Machado de Assis
Completei nesta semana 13 anos como colunista do UOL. Entre textos, vídeos e matérias especiais foram mais de 600 publicações. Dos textos que produzi, vários participaram de livros de minha autoria. Algumas dessas obras entraram para as listas dos mais vendidos do país e foram publicadas no exterior. Posso dizer que boa parte da minha experiência e da história recente do país está nesses artigos.
Ao analisar os meus primeiros textos, constatei que alguns fatos se repetem ao longo do tempo. Por exemplo, logo na minha estreia falei a respeito de algumas peculiaridades de Lula. O título do texto foi “Lágrimas presidenciais”. O choro de Lula era recorrente. Chorou em 2007 ao abrir o encontro do Diretório Nacional do PT, na cidade de Salvador. Comentei na época que não era a primeira vez que Lula chorava em público, e profetizava: “e não será a última, pois, ao que parece, Lula fez do choro mais um recurso para conquistar a simpatia da população”.
Uma história de lágrimas
Não precisei recorrer à ciência dos algoritmos para chegar a essa conclusão. Bastou dar uma olhada no que o líder petista andava fazendo nos últimos tempos. A primeira vez em que derramou lágrimas em público foi quando recebeu a notícia de que havia vencido as eleições. Logo em seguida, mais uns soluços ao ser diplomado. E só para acrescentar outro episódio, podemos citar o longínquo 26 de janeiro de 2003, quando chorou depois de ouvir Luan Conceição, um garoto de 6 aninhos, cantar.
Naquela oportunidade recorri a um site de buscas digitando a expressão “Lula chorou”. Foi espantoso. Surgiram mais de mil referências. Passados mais de dez anos, ao fazer busca idêntica, o resultado se mostrou ainda mais surpreendente – apareceram 4.270 ocorrências. Ou seja, Lula é um chorão contumaz.
Recentemente, no final do ano, ao falar sobre como alimentar a humanidade, Lula não só chorou como também levou a plateia às lágrimas. Disse em seu discurso: “…um terço dos alimentos é jogado fora. E nós temos ainda um bilhão de pessoas que vão dormir toda noite sem ter o que comer”. Depois de proferir essas palavras, ele parou, coçou os olhos e… chorou.
Lula é um político experiente e sabe mexer com as emoções. Talvez em algumas circunstâncias ele tenha mesmo se emocionado e chorado pra valer. Em outras, entretanto, talvez não seja exagero deduzir que suas lágrimas tenham sido fruto de sua extraordinária capacidade de interpretação. Essa é uma característica própria de alguns políticos.
O choro como argumento
Foi assim com a economista Maria da Conceição Tavares, que chorou depois de apoiar o Plano Cruzado implementado pelo então presidente José Sarney em 1986. Olhando assim de longe, aquele não era motivo para lágrimas. Seu choro foi uma cena tão comovente que apareceu como matéria de capa na “Revista Isto É”.
Não foi diferente com as duas choramingadas de José Roberto Arruda, quando era senador em 2001. A primeira porque se dizia inocente da acusação de ter violado o painel de votação no caso da cassação do senador Luiz Estevão. A segunda, pouco tempo depois, quando descobriram que as suas palavras não correspondiam à verdade, e ele precisou pedir desculpa. Ou seja, chorou uma pelo não e outra pelo sim.
E para fechar os exemplos dos políticos que recorrem às lágrimas como recurso de persuasão, não poderíamos nos esquecer de Eduardo Cunha, que soluçou ao renunciar à presidência da Câmara dos Deputados em 2016. Naquele episódio ficou dúvida sobre a sua sinceridade. Afinal, ele tinha motivos para chorar, pois enfrentava uma das situações mais difíceis da sua vida. Por outro lado, tinha também capacidade para teatralizar e interpretar o choro.
Uma nova realidade para Lula
Apesar de recorrente, o choro de Lula não prejudicou sua imagem diante do eleitorado. Como boa parte de seus seguidores entendeu que suas lágrimas foram verdadeiras, esse comportamento do ex-presidente o tornou ainda mais humano e próximo da população.
Hoje, todavia, ele vive uma nova realidade. Sua popularidade já não é a mesma. Pressionado pelos processos e julgamentos, sua oratória perdeu muito do encanto que possuía. Talvez as lágrimas já não tenham o mesmo efeito que tiveram.
Quantos fatos ocorreram ao longo desses treze anos. Usei Lula como exemplo porque foi o protagonista do meu primeiro texto aqui no UOL. E foi um caso emblemático devido a sua história tumultuada. Foi eleito, reeleito, fez sua sucessora, reelegeu sua sucessora, acompanhou a derrocada dela com o impeachment, foi preso, não conseguiu eleger seu indicado à presidência, foi libertado. E vive agora batendo cabeça aqui e ali para continuar livre e encontrar novamente o seu espaço.
Como essa movimentação vai depender muito da sua capacidade de comunicação, que é o único fator que nos interessa aqui em qualquer tipo de análise, saberemos em breve qual será o seu destino político. Impedido por lei a se candidatar e com a idade já avançada, talvez as lágrimas não possam mais ajudá-lo a conquistar seus objetivos.
Superdicas da semana
- Ao falar na vida corporativa é prudente evitar o choro
- Se não deseja chorar, e certos assuntos o sensibilizam, deixe-os de lado
- Se perceber que vai perder o controle e chorar, pare de falar antes, respire e tome água
- Não acredite sempre nas lágrimas de um político. Às vezes são só teatro
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: “29 Minutos para Falar Bem em Público”, publicado pela Editora Sextante. “Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação”, “Oratória para advogados”, “Assim é que se Fala”, “Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas” e “Como Falar Corretamente e sem Inibições”, publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.
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