A jornalista Paula Holanda, militante de esquerda e influenciadora digital, conhecida no Twitter como @pppholanda —ela tem 6.446 seguidores—, disse em uma “thread” (sequência de pequenas frases, ou tuítes) na rede social, no sábado à noite (25), que foi convidada, em troca de dinheiro, por uma agência de marketing digital mineira chamada Lajoy a promover em seu perfil conteúdo de esquerda.
Segundo Paula, ela aceitou escrever tuítes favoráveis, que eram relacionados a candidatos do PT —Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional da sigla e candidata a deputada federal pelo Paraná, e Luiz Marinho, candidato a governador de São Paulo.
Ao receber uma terceira demanda, desta vez sobre o governador do Piauí, o petista Wellington Dias, candidato a reeleição, ela diz ter percebido, então, que não atuava pelas pautas de esquerda em geral, mas especificamente em favor de candidaturas do PT, o que, afirma, não tinha ficado claro nos contatos com a agência, e se recusou a escrever sobre o piauiense.
Os tuítes não informavam que eram pagos, nem exibiam qualquer informação sobre a empresa ou político que os contratou.
Esta prática é proibida pela legislação atual, que especifica que só é permitida propaganda eleitoral em redes sociais no modelo de impulsionamento, em que candidatos, partidos e coligações contratam diretamente a rede social.
A propaganda em redes sociais deve mencionar, explicitamente, qual partido, candidato ou coligação, com CNPJ, a pagou, “não devendo empregar meios destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”, diz o artigo 6º da Resolução 23.551.
A consequência para quem infringe a resolução é multa de até R$ 30 mil.
Após a sequência de publicações de Paula Holanda, Wellington Dias era o quarto termo mais citado no Twitter no Brasil nas primeiras horas deste domingo (26).
O que são threads no Twitter? |
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Thread (ou fio) é uma sequência de tweets. Cada tweet é um texto com até 280 caracteres. Em uma thread, cada tweet é um parágrafo, de um grande texto, que pode ser comentado, curtido e compartilhado individualmente. |
“Não tenho nenhuma ligação com o Piauí e não o conheço. Pesquisei rapidamente e pela opinião pública da esquerda, ele aparentemente não foi um bom governador. Li que ele sucateou e militarizou a educação e silenciou mulheres,” afirmou Paula na rede social.
“O que me passaram é que seria uma ação de esquerda, com pautas feministas, negras e LGBT, quando, na verdade, eu sinto estar fazendo uma campanha sem ter sido avisada”, escreveu.
Após as declarações da jornalista, outros perfis no Twitter apagaram suas publicações ou admitiram que foram contratados para fazer comentários positivos sobre os candidatos.
Segundo Flavia Penido, advogada especialista em Direito Tributário e Direito Digital, o Twitter também veda a prática em seus termos de uso e tem excluído usuários sob suspeita da prática ou de fornecer informações falsas, o que gerou nos últimos dias reclamação na comunidade de direita da rede social.
“A partir do momento em que não é informado que os tweets estão sendo publicados mediante pagamento, ou por contas falsas, o ambiente da rede social está sendo manipulado e contaminado, isso é conhecido como compartilhamento não-orgânico ou não-autêntico. Isso é pernicioso para a democracia.”
Paula Holanda disse para seus seguidores que nunca assinou nenhum contrato, que não faz ideia de quem está pagando a ação da Lajoy e que acredita que não vai ser paga pelos dois tuítes que fez em favor de Gleisi e Marinho.
A jornalista disse na rede social que receberia quase R$ 1.000 pelo trabalho, mas não especificou se o valor era por tuíte ou pela ação toda.
Paula Holanda confirmou o que disse no Twitter, mas preferiu não informar detalhes, como valores prometidos e recebidos, quais outros influenciadores digitais foram contratados e a quais outros candidatos a Agência Lajoy demandou conteúdo dos perfis contratados.
Procurada, a dona da Agência Lajoy, Joyce Moreira Falete Mota, afirmou ter sido contratada, para os meses de junho e julho por uma empresa chamada Be Connected.
Segundo ela, “para dar consultoria sobre quais jovens profissionais tecnológicos e digitais de esquerda eram aptos a construir e sugerir a melhor tática (conteúdo: posts, memes e gifs) de apresentar a proposta para quando chegasse o período eleitoral. Não havendo nenhuma contratação pela minha empresa para este período”.
“Através da minha experiência, conhecimento e proximidade com os influencers, indiquei os que, como eu, discutem e fortalecem as causas progressistas de esquerda. Apenas seguindo a solicitação do nicho pedido pela Be Connected.”
Falete Mota repassou à reportagem um email, ligado ao site da empresa Be Connected, de propriedade de Rodrigo Queles Teixeira Cardoso.
No site, a Be Connected convida: “Venha fazer parte da nossa rede de influenciadores e seja contratado por grandes marcas, ganhando milhares em salários mais comissões”.
Queles aparece no site do diretório municipal do PT de Belo Horizonte (MG) como membro suplente do órgão.
O nome dele também aparece em documento de 2015 da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em que é nomeado como auxiliar de gabinete da deputada estadual Cristina Corrêa (PT-MG).
Em julho passado, ele foi nomeado secretário parlamentar do deputado federal Miguel Corrêa (PT-MG), que é irmão de Cristina Corrêa.
Mineira, a Lajoy é especializada em marketing em redes sociais e foi fundada em 2011 por Joyce Mota, conhecida no Twitter como @joycelular.
A empresa trabalha com publicidade através de influenciadores digitais, pessoas que têm muitos seguidores em seus perfis no Twitter, Facebook, Instagram e Youtube. Essas pessoas falam bem de marcas que os pagam com dinheiros e “mimos” —como são conhecidos os presentes que recebem.
Segundo as declarações de Paula Holanda, o convite veio por email.
Quem aceitava a proposta, era adicionado ao grupo de WhatsApp #Lulazord e recebia briefings (jargão da publicidade para instruções sobre tarefa a ser executada ) por email.
O que são influencers? |
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Influencers, digital influencers ou influenciadores digitais são pessoas muito populares nas redes sociais. O conteúdo produzido por elas para o Twitter, Facebook, Instagram e YouTube é visto por milhares —até milhões— de pessoas, tornando-se padrão de comportamento e consumo. |
A jornalista detalhou os tuítes que foi contratada para fazer.
“A primeira pauta foi sobre a Gleisi Hoffman. Acompanhei o caso da Gleisi e ele ilustra bem a perseguição partidária, bem como a prisão do Lula, que foi sim de cunho político, me pareceu uma pauta muito justa, então eu fiz o tweet sem resistência.” Gleisi Hoffmann (PT) é candidata ao Legislativo federal pelo Paraná.
“A segunda pauta foi sobre o Luiz Marinho. Parte da minha família mora em São Paulo e eu viajo com certa frequência pra lá, então a agenda paulista me interessa.” Luiz Marinho (PT) é candidato ao Governo de São Paulo.
Segundo Paula, a terceira tarefa veio com o seguinte email da agência Lajoy: “A intenção da pauta de hoje é divulgar & enaltecer a trajetória e as ações do Wellington Dias, que concorre ao seu quarto mandato de governador no Piauí. Queremos um conteúdo leve, divertido e/ou informativo”.
A jornalista, então, questionou a natureza da ação de marketing e foi informada que se tratava de promoção de tuítes restrita a candidatos do PT e foi expulsa do grupo.
Apesar do ocorrido, Paula Holanda disse na rede social que vai votar no ex-presidente Lula (PT) para o Planalto porque acredita que ele é a melhor opção, mas recomenda aos seguidores que “não acreditem em partidos ou ideologias, acreditem em si mesmos” e “não se deixem influenciar pelo que leem na internet”.
A influenciadora encerrou a série de publicações declarando que está aberta a novos contratos de trabalho. “Mas só aceito propostas sinceras e transparentes, ok: :-)”
OUTRO LADO
Procurado, o PT não se manifestou até a publicação desse texto.
Joyce Moreira Falete Mota, dona da Agência Lajoy, declarou por email: “Não é surpresa pra ninguém que me acompanha que eu sempre fui de esquerda e sempre fui Lula Livre e sempre fui petista e apoio o PT. A Lajoy existe há 8 anos. Nossa credibilidade foi conquistada com muito trabalho e responsabilidade. Neste caso, não agimos diferente. Temos segurança da qualidade do nosso trabalho e da parceria consistente com nossos clientes e parceiros”.
Rodrigo Queles Teixeira Cardoso, dono da Be Connected e assessor parlamentar do deputado Miguel Corrêa (PT-MG), disse que sua empresa repudia “a compra de apoio e fake news”.
Ele disse, em nota, que faz “diagnóstico, monitoramento e análises de ambiente”. “Extraímos inteligência, damos a visualização da rede de influência e correlação de assuntos de seus monitoramentos. O foco dessa ação é entender o público de esquerda e planejar ações para o momento oportuno”.
“Dentre nossas ações, apontar e combater fakes, robôs e pessoas que não têm identidade com a causa. Analisamos e monitoramos perfis reais para apontar de onde nasceram movimentos de unificação de conteúdo e viralização. Em alguns momentos fizemos isso, como no caso do #Lulazord, que obteve grande aderência da rede de esquerda.”
A assessoria de Gleisi Hoffmann disse que não faria comentários até o partido se manifestar.
Wellington Dias também não retornou os contatos da reportagem.
A assessoria do governador disse ao site Piauí Agora que “o que se observa pelos comentários nas redes sociais e nos prints que circulam é que este é um movimento nacional, que simpatiza com a esquerda e com o PT. O governador Wellington foi incluído de alguma forma por fazer parte deste contexto. Não faz sentido ele contratar pessoas em São Paulo se o votos dele são no Piauí”.
Luiz Marinho afirmou, via assessoria: “Não conheço essa agência, nunca a contratei. Aliás, nem sei o que seja um ‘influencer’. Não a conheço. Perguntei ao meu pessoal e ninguém a contatou ou a contratou. Não tenho muito mais o que falar pois não tenho informações”.
Folha