Mesmo tendo intensificado sua aliança com o Centrão, sacramentada no final do ano com a filiação ao PL, o presidente Jair Bolsonaro seguiu tendo dificuldades no Congresso em 2021. O governo federal não aprovou a maior parte dos projetos que escolheu como prioritários, e viu diminuir as taxas de medidas provisórias (MP) convertidas em lei. As pautas de costumes, tão caras a Bolsonaro, não andaram. Já propostas na área econômica conseguiram aprovação, mas são minoria na lista de três dezenas de projetos enviados pelo Poder Executivo com carimbo de prioridade.
Em fevereiro, dois dias após serem eleitos, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), visitaram Bolsonaro no Palácio do Planalto e receberam uma lista com 35 projetos que o governo considerava prioritários. Destes, apenas 13 foram aprovados nas duas Casas (37%), todos da área econômica. Cinco foram aprovados apenas pela Câmara ou pelo Senado, e 17 não foram aprovados por nenhuma das duas.
Neste ano, Bolsonaro consolidou sua aliança com o Centrão, que já vinha sendo construída desde o ano passado: apoiou a eleição de Lira à Presidência da Câmara; nomeou integrantes do grupo para três ministérios, entre eles a Casa Civil; e se filiou ao PL, comandado por Valdemar Costa Neto, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no esquema do mensalão. Não houve, no entanto, um reflexo claro em vitórias parlamentares para o Planalto.
Para o deputado Rogério Correia (PT-MG), a aliança com o Centrão rendeu ao governo mais força na Câmara, mas não funcionou da mesma forma no Senado. Bolsonaro até tentou solucionar essa questão colocando um senador, Ciro Nogueira, do PP, na Casa Civil, mas os resultados ainda não vieram. Nesta semana, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), entregou seu cargo.
— Ele privatizou muito menos do que pretendia privatizar. Além disso, projetos do próprio governo, que eles chamam da pauta bolsonarista, não aprovaram na extensão que queriam — afirma o parlamentar.
Foram essas pautas de costumes e armamentistas, dois dos principais pilares da campanha de Bolsonaro em 2018, que ficaram completamente paradas. Entre elas, está o texto que cria excludente de ilicitude para militares que participam de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). No ano passado, Bolsonaro disse esperar que o projeto fosse votado após a eleição no Congresso. Há ainda na lista de projetos bolsonaristas sem qualquer sinal de que voltarão a andar o que regulamenta a educação domiciliar, a proposta que altera o estatuto do índio com relação ao infanticídio e o que trata da posse e o porte de armas por caçadores, atiradores e colecionadores.
Para o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), vice-líder do governo no Congresso, a pandemia foi um dos principais fatores que impactaram na atuação do governo na Câmara e no Senado. Segundo ele, o Palácio do Planalto adotou uma estratégia pragmática e precisou lançar mão de diversas medidas emergenciais.
— Grande parte delas foram respostas à pandemia: cumpriram seu papel, são coisas pontuais que são aprovadas dentro de um momento de excepcionalidade — afirma Melo. — Estamos aprovando coisas com voto do MDB, PSB, PSDB, PDT. A Câmara tem chamado para si mais responsabilidade. Tem se mostrado mais proativa do que o Senado, que perdeu tempo e dinheiro com a CPI (da Covid).
Todas as 13 propostas prioritárias aprovadas ao longo do ano são de temas econômicos, como a autonomia do Banco Central, a PEC Emergencial e o novo marco regulatório do gás. Outro indicador do desempenho do governo federal no Congresso é a quantidade de MPs que o governo conseguiu converter em lei. Essa taxa caiu em 2021: de 40 editadas neste ano, 17 foram aprovadas pela Câmara e pelo Senado (42%). O índice foi de 52% em 2019 e de 54% em 2020.
Os dados sobre a aprovação de medidas provisórias são particularmente simbólicos para o governo. Até o momento, Bolsonaro publicou 209 MPs, já ultrapassando o número de normas desse tipo que foram editadas durante todo o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Segundo levantamento feito pelo GLOBO, Bolsonaro é o presidente que publica MPs com mais frequências desde Lula: em média, uma é editada a cada cinco dias.
Em paralelo a isso, o governo federal tem reduzido gradativamente o número de projetos de leis ou emendas à Constituição enviados ao Congresso, e sofre para aprová-los. Em 2019, das 31 propostas apresentadas, três foram aprovadas naquele ano; outras duas foram aprovadas posteriormente. Em 2020, de 22 projetos, apenas um foi aprovado: o que estabeleceu regras para o enfrentamento da pandemia de Covid-19.
Em 2021, foram apenas 18 projetos enviados ao Congresso, o menor número durante o mandato, e apenas dois aprovados, entre eles a PEC dos Precatórios, que abriu caminho para o pagamento do Auxílio Brasil.
De acordo com a cientista política Silvana Krause, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os números refletem a imagem de uma relação em que o governo é muito mais dependente do Centrão do que o contrário.
— Essas siglas cobram caro. E o preço do Centrão vai aumentando conforme aumenta a rejeição popular ao governo — afirma.