Há dois tipos de irritação na praça. Primeiro, há um incômodo nas hostes dos dois partidos que podem dar guarida a esse projeto, o PSD e o União Brasil (fusão DEM-PSL em curso), com a indefinição de Alckmin. A todos seus interlocutores, ele diz que “está para decidir” seu futuro em breve.
Segundo, entre aqueles que acreditam que o fato de Alckmin não ter rejeitado com um agradecimento a piscadela de Lula possa ter repercussões eleitorais negativas caso ele dispute o governo de São Paulo.
Na semana retrasada, como revelou a Folha, emergiu o balão de ensaio da aliança Lula-Alckmin. Ele foi gestado por dois interessados em tirar Alckmin do páreo em São Paulo, seu aliado Márcio França (PSB) e o rival Fernando Haddad (PT), que juntaram o ex-presidente e o ex-governador na conversa.
Fiel a seu estilo, o ainda tucano não rejeitou o namoro. Isso impactou o grupo já inquieto com a protelação de Alckmin e teve dois efeitos imediatos.
O PSD, partido do qual ele estava mais próximo para se filiar, avisou que não terá candidato a governador em São Paulo se Alckmin aceitar ser vice do Lula. Isso afeta França e Haddad, ambos à espera do apoio da sigla.
Neste caso, o foco do partido de Gilberto Kassab será a candidatura ao Planalto de Rodrigo Pacheco (MG), o presidente do Senado, e o pleito pelo Senado do apresentador José Luiz Datena. No PSD, a ideia eventual de ter Alckmin filiado e na vice de Lula é descartada, pois reduziria o poder de barganha da sigla no segundo turno.
De todo modo, a sigla ainda trabalha com um cenário em que a chapa paulista será composta por Alckmin e França, que foi seu vice de 2015 a 2018, quando assumiu o governo e acabou derrotado nas eleições por João Doria (PSDB).
Já no União Brasil, a metade PSL da criatura tem se mostrado cada vez mais refratária a Alckmin, preferindo manter o apoio a Doria no estado. O temor de não controlar a sigla e, principalmente, recursos dos fundos partidário e eleitoral, foi o que evitou a filiação do ex-governador até aqui.
O plano de Alckmin após a submersão posterior à sua humilhação nas urnas em 2018, quando amealhou a pior votação presidencial da história do PSDB, era voltar a disputar o governo paulista, que ocupou de forma mais ou menos ininterrupta por duas décadas.
Só que o atual governador tinha outros planos. Visando seu projeto presidencial em 2022, ele elegeu-se com o compromisso de entregar o governo para o vice, Rodrigo Garcia, então no DEM —partido que ficaria amarrado ao roteiro, num arranjo que incluía o MDB.
Não deu muito certo quando o DEM implodiu, no começo deste ano, com a derrota do grupo de Rodrigo Maia na disputa da Câmara dos Deputados para Arthur Maia (PP-AL), um dos cônsules do centrão.
Doria operou um rearranjo, filiando Garcia ao PSDB para lhe garantir a legenda em 2022. Maia tornou-se secretário de seu governo e tem sido instrumental no mapeamento e conversão de deputados tucanos arredios ao governador paulista nas prévias presidenciais do PSDB, marcadas para domingo (21).
Com isso, o espaço de Alckmin tornou-se exíguo na sigla que ajudou a fundar. Isso, nas palavras de aliados, o deixou com um inusual “sangue nos olhos” —tanto que cometeu o que é visto até por eles como um erro político, que foi credenciar-se para votar nas prévias, só para atormentar Doria.
O ex-governador pode esperar uma eventual derrota do desafeto para Eduardo Leite (RS) nas prévias para retomar uma disputa interna, mas o fato é que o PSDB paulista está todo fechado por Doria.
O canto de sereia petista surge nesse contexto. Alguns aliados de Alckmin dizem que o impacto potencial no eleitorado paulista, de extração antipetista em sua maioria, poderá ser grande se ele disputar o Palácio dos Bandeirantes.
Até antigas críticas de Alckmin ao PT, sigla contra a qual o tucano disputou a Presidência em 2006 (Lula) e 2018 (Haddad) estão circulando para relembrar o passado da relação.
Na campanha de 2018, por exemplo, o tucano disse no Twitter ao rival na corrida presidencial: “Caro Fernando Haddad, não é o meu partido que é comandado de dentro de um presídio. Nem minha campanha foi lançada na porta de penitenciária. Em São Paulo, bandido pega cana dura.”
A Folha colheu um exemplo anedótico desse mal-estar em um almoço com políticos próximos de Alckmin em um tradicional reduto da elite paulistana, nesta semana. O dono do lugar aproximou-se dos comensais e, após mesuras, cobrou duramente aqueles aliados sobre “a traição do Geraldo com o PT”.
Outros, contudo, dão de ombros e dizem que o desgaste é pontual, desde que o namoro fique onde está. Eles avaliam que o balão de ensaio, contudo, ganhou voo o suficiente para dar tempo a Alckmin para tomar sua decisão.
Se o ainda tucano resolver topar a empreitada, uma incógnita mesmo para aqueles mais chegados a ele, a montanha a ser escalada será outra.
No PT, há aqueles que alimentam a chapa como uma saída para ampliar tanto a base eleitoral de Lula no Sudeste e no Sul contra Jair Bolsonaro, quanto para ajudar a montar uma governabilidade que estaria ameaçada de saída em 2023.
Mas uma maioria ruidosa na sigla, ciosa de perda de espaço, já lança teses delirantes segundo a qual o “mercado”, aí com aspas compulsórias, apoiaria a chapa porque derrubaria Lula tendo um vice de sua confiança.
É uma teoria que, além de desconectada da realidade política, ignora que agentes do mercado financeiro nunca gostaram de Alckmin e tiveram fases de grande enriquecimento sob Lula. Mas reverbera, em especial nas alas mais ideológicas do PT.