Documentos obtidos pela Polícia Federal indicam que um empresário de São Paulo bancou material de divulgação da campanha de Jair Bolsonaro à presidência da República nas eleições em 2018 sem declarar à Justiça Eleitoral. Ao longo das investigações no inquérito dos atos antidemocráticos, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), a PF encontrou no computador de Otávio Fakhoury, apoiador de Bolsonaro, notas fiscais emitidas por duas gráficas sediadas na região Nordeste.
Os serviços, contratados pelo empresário, consistiram na impressão de 560 mil itens de propaganda eleitoral de Bolsonaro como panfletos e adesivos com foto do candidato, o número da chapa e a proposta de campanha. Procurado, o empresário confirma a existência dos documentos, mas diz que eles se referem a “despesas de amigos que fazem parte de movimentos sociais”. “Por não se tratarem de doação à campanha do candidato, não comuniquei a ele, à coordenação da campanha ou a pessoas próximas a ele sobre esses pagamentos. No mais, reitero que todas as minhas contribuições de campanhas eleitorais foram regularmente declaradas aos órgãos eleitorais competentes”, afirma Fakhoury.
Ouvido sobre o caso, um ex-ministro do TSE afirmou que a investigação só poderia caracterizar o crime de caixa dois por parte da campanha caso fique comprovado que a equipe do candidato tinha conhecimento da produção dos panfletos. Na prestação de contas da campanha de Bolsonaro apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fakhoury não aparece como doador oficial. As gráficas contratadas pelo empresário também não constam da lista de fornecedoras.
Procurado, o presidente Jair Bolsonaro afirmou através de sua advogada desconhecer a doação:
“O Presidente da República e a equipe de campanha jamais tiveram essa informação, vindo a saber pelo veículo de comunicação sobre essas eventuais despesas, desconhecendo, até o momento, o conteúdo do material publicitário, já que os inquéritos do STF tramitam sob sigilo. Ressalte-se que seria impossível o lançamento de despesa desconhecida, não produzida e não autorizada pela campanha, com base no art. 37 da Res/TSE n. 23.553/17. A campanha presidencial declarou na prestação de contas, aprovada pelo TSE, todos os seus gastos com propaganda, inclusive os materiais confeccionados pela campanha, que foram distribuídos nas reuniões e manifestações nas ruas”.
De acordo com a PF, foram encontradas três notas fiscais com o valor total de R$ 53.300,00 e emitidas em nome de Otávio Fakhoury. As duas primeiras datam de 23 de outubro de 2018. A terceira, de 25 de outubro de 2018. Todas, portanto, são referentes ao período do segundo turno presidencial, disputado entre Bolsonaro e o candidato do PT Fernando Haddad, que tinha votação mais expressiva na região Nordeste, justamente onde o material gráfico foi bancado pelo empresário.
Ainda segundo a PF, as gráficas contratadas por Fakhoury estão sediadas em João Pessoa (PB) e em Natal (RN). O dono de uma delas, José Luciano Araújo dos Santos, fundador da Gráfica Criart, foi procurado pelo GLOBO e confirmou ter prestado os serviços de impressão de material publicitário para a campanha de Bolsonaro, mas não quis falar a respeito do contratante:
— Foi tudo passado para a Polícia Federal — afirmou ele.
Ao prestar depoimento à PF no inquérito dos atos antidemocráticos, Fakhoury foi indagado se fez colaborações à campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, mas respondeu que não. O empresário disse apenas ter feito doações oficiais para quatro candidatos do PSL em São Paulo.
Empresário do ramo imobiliário, Otávio Fakhoury entrou na mira do inquérito dos atos antidemocráticos após ter financiado a realização de manifestações com ataques ao STF. Ele faz parte de um grupo de apoiadores do presidente que inclui o dono da Havan, Luciano Hang, e o dono do restaurante Madero, Junior Durski, dentre outros empresários. Fakhoury chegou a articular a compra de uma rádio por um pool de empresários bolsonaristas para veicular conteúdo favorável ao governo, mas o assunto não avançou. Em seu telefone celular, a PF encontrou conversas frequentes com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a respeito da aquisição da rádio.
Bolsonaro já é alvo de uma investigação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a suspeita de que empresários teriam contratado serviço de disparo em massa de WhatsApp no período eleitoral, também fora da prestação de contas oficial.
O relatório parcial da Polícia Federal sobre o inquérito dos atos antidemocráticos propõe o aprofundamento em duas linhas de investigação, uma delas sobre o repasse de recursos do governo federal para grupos envolvidos com atos antidemocráticos, e outra a respeito da formação de uma milícia digital com perfis falsos para apoio ao governo. A Procuradoria-Geral da República (PGR), em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira passada, pediu o arquivamento do caso após apontar que a PF desviou o foco da investigação e não encontrou provas do envolvimento de parlamentares. Agora, o caso depende de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes.
O Globo