Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quarta-feira a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar ações e possíveis omissões do governo federal na condução da pandemia da Covid-19. Os ministros também destacaram que cabe ao Senado definir como serão os trabalhos da comissão.
Em seu voto, Barroso disse que o Senado deve instalar a comissão, escolhendo a forma como será feito, mas sem poder adiar seu funcionamento em razão da pandemia.
— Não cabe ao Senado Federal se vai instalar ou quando vai funcionar, mas como vai proceder. Caberá ao Senado se por videoconferência, se por modo presencial, ou por modo semipresencial — disse Barroso.
Uma das principais polêmicas em torno da instalação da CPI é a possibilidade de obrigar os senadores a participarem de reuniões presenciais em ambientes fechados. O ponto é alvo de resistência entre parlamentares, que podem usar a brecha deixada pelo STF para adiar o funcionamento do colegiado até que os trabalhos presenciais forem retomados com regularidade na Casa, o que poderia reduzir os efeitos da comissão de forma drástica.
O julgamento foi rápido, tendo durado pouco menos de uma hora. Além do relator, apenas outros dois ministros se manifestaram: Marco Aurélio Mello, que discordou por questões processuais; e Gilmar Mendes, que elogiou o voto de Barroso. Fux perguntou se havia alguma discordância e, como nenhum outro ministro se manifestou, ele encerrou o julgamento.
Barroso defendeu o papel dos tribunais constitucionais, caso do STF, e citou outros países, com governos autoritários de direita ou de esquerda, em que as cortes sofreram esvaziamento e a própria democracia ficou enfraquecia.
— Diversos países do mundo vivem recessão democrática. Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Venezuela, para citar alguns. Todos eles, sem exceção , assistiram a processo de ataque e esvaziamento de seus tribunais constitucionais. Quando a cidadania despertou, já era tarde — disse Barroso.
O ministro destacou que, atendidos os requisitos para instalação de uma CPI, como o apoio de pelo menos um terço dos parlamentares, a comissão deve ser criada. E disse que o próprio STF já deu decisões semelhantes no passado, quando houve demora para a instalação de CPI.
— Nada há de criativo, original ou inusitado na decisão liminar que concedi à luz da doutrina.
Um dos precedentes foi a decisão tomada em 2005, por nove votos a um no plenário do STF, determinando que o Senado instalasse a CPI dos Bingos. Na época, apenas dois dos atuais integrantes do STF compunham a Corte: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Ambos foram favoráveis à instalação da CPI. Barroso destacou que, na democracia, além da vontade da maioria, há também os direitos das minorias. E que é comum ao STF exercer um papel contramajoritário para que as minorias sejam respeitadas.
— A instalação de uma CPI não se submete a um juízo discricionário seja do presidente da casa legislativa, seja do plenário da casa legislativa. Não pode o órgão diretivo ou a maioria se opor a tal requerimento por questões de conveniência ou de oportunidade políticas. Atendidas exigências constitucionais, impõe-se a instalação da comissão parlamentar de inquérito — disse Barroso.
O ministro lembrou que governos passados também tiveram que enfrenar CPIs:
— Aqui não se fazem distinções políticas. As regras valem para todos. Faz parte o jogo democrático desde sempre a comissão parlamentar de inquérito.
E destacou a gravidade da pandemia:
— Foram 360 mil vidas no Brasil, com perspectivas de chegarmos no curto prazo a 500 mil mortos.
O relator concedeu liminar após o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentar um mandado de segurança na Suprema Corte para que a comissão fosse instalada no Senado Federal. Entregue em fevereiro, o pedido de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) já havia preenchido todos os requisitos, mas o presidente do Senado, eleito para o cargo com apoio do presidente Jair Bolsonaro, vinha resistindo a instalá-la.
Antes, o Vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros também manifestou-se a favor da liminar, afirmando que ela é “correta, adequada e coerente” e que “as mudanças fáticas não justificam alteração da jurisprudência” que embasou a decisão de Barroso.
— Entendemos com toda a naturalidade que o Parlamento, especialmente as minorias parlamentares têm a possibilidade de, em nome da sociedade, investigar fatos e problemas, descobrir soluções, encontrar apurações, modificar as regras jurídicas, se o caso for. E, na eventualidade de encontrar responsáveis que possam ser judicialmete conduzidos, encaminhar isso ao MP — afirmou o representante da Procuradoria Geral da República.
Ele aproveitou para dizer, mais de uma vez, que não houve qualquer inadequação na condução do caso por parte de Barroso, que foi atacado pessoalmente pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, após dar a liminar. Segundo Jacques, o caso foi conduzido com “correção” pelo ministro e não há “ponto de tensão” entre Poderes.
O advogado Gustavo Ferreira Gomes, que representa os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-GO) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), destacou que, numa democracia, não há apenas a vontade da maioria, mas o respeito aos direitos das minorias. Para uma CPI funcionar, basta que um terço dos senadores a apoiem, ou seja, 27 dos 81. Mais de 30 senadores assinaram o requerimento de criação da comissão.
— Na pandemia, tivemos quatro ministros da Saúde. É necessário, e a CPI tem essa função de investigar, avaliar e também orientar. Não é perseguição. Tem o papel de apontar os erros. Não se faz democracia apenas com aplausos e índices de popularidade, se faz também com crítica — disse o advogado.
O Globo