“Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”
As dúvidas sobre cheques depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, pairam desde 2018, mas as suspeitas atingiram outro patamar depois que o presidente, Jair Bolsonaro, ameaçou agredir um repórter do jornal O Globo que lhe fez a pergunta acima.
A resposta do presidente no domingo (23/8), “vontade de encher tua boca com uma porrada, tá? Seu safado”, desencadeou críticas e notas de repúdio de políticos e entidades jornalísticas, mas também fez a pergunta viralizar nas redes sociais.
No Twitter, ela foi repetida mais de 1 milhão de vezes em menos de 24 horas e chegou a ser o assunto mais discutido da plataforma no Brasil. Segundo levantamento do professor Fabio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a pergunta foi replicada mil vezes a cada 40 segundos. Os questionamentos se espalharam por outras plataformas, mas não há estimativas sobre o volume das mensagens nelas.
Nomes influentes da rede social replicaram o questionamento. A exemplo, o músico Caetano Veloso, a atriz Bruna Marquezine, a cartunista Laerte, o apresentador Danilo Gentili, a cantora Anitta, o ator Bruno Gagliasso e os influenciadores Felipe Neto, Hugo Gloss e Felipe Castanhari. Esses nove somam mais de 65 milhões de seguidores no Twitter.
Em nota, o jornal O Globo afirmou que “tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população”.
Também em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que “o discurso hostil e intimidatório de Bolsonaro contra a imprensa vem incentivando sua militância a assediar jornalistas nas redes sociais nos últimos meses, inclusive com ameaças de morte e agressões aos profissionais e a seus familiares”.
Bolsonaro foi questionado durante a mesma entrevista se sua declaração era uma ameaça à imprensa, mas ele não respondeu. As dúvidas sobre os depósitos na conta de Michelle Bolsonaro também continuam sem resposta.
O escândalo com a primeira-dama da República tem dois momentos. O primeiro, no fim de 2018, quando o caso veio à tona. O segundo no início de agosto, quando mais cheques foram descobertos por investigadores e apontaram contradições na explicação do presidente.
No fim de 2018, a primeira-dama foi arrastada para o caso quando foi deflagrada a investigação contra Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro há décadas e ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Ele e o filho do presidente são suspeitos de integrarem um suposto esquema de lavagem e desvio de dinheiro do gabinete parlamentar de Flávio. Ambos negam.
À época, um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) apontou uma série de movimentações bancárias suspeitas de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, somando R$ 1,2 milhão. Umas das transações era o depósito de R$ 24 mil na conta da esposa de Bolsonaro.
Questionado em dezembro de 2018, o presidente disse que se tratava do pagamento por uma dívida que Queiroz tinha com ele. Afirmou também que o dinheiro foi depositado para Michelle porque ele não tem “tempo de sair”.
“Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil.”
Há duas contradições na explicação de Bolsonaro. A primeira é que a quebra de sigilo mostrou que não há depósitos do presidente na conta de Queiroz que comprovariam o empréstimo alegado por Bolsonaro, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso ao documento.
A segunda, que envolve o valor das transações, surgiu no início de agosto de 2020, quando veículos jornalísticos publicaram informações sobre a quebra de sigilo fiscal de Queiroz e da mulher, Marcia Aguiar.
Segundo reportagem da revista Crusoé, a quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$ 72 mil. E o jornal Folha de S.Paulo e o portal G1 divulgaram, ainda, que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de 2011, no valor total de R$ 17 mil.
Assim, o montante agora revelado, de R$ 89 mil, é mais que o dobro dos R$ 40 mil citados por Bolsonaro no fim de 2018.
A primeira-dama não possui imunidade constitucional e pode se tornar alvo da investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Como Michelle não era funcionária do gabinete de Flávio, ela não foi incluída inicialmente como investigada e não teve seu sigilo fiscal quebrado até o momento.
Não estão claros ainda quais serão os próximos passos da investigação que envolveu a mulher, um filho, uma assessora e um casal de amigos do presidente da República, que não pode ser responsabilizado por “atos estranhos ao exercício de suas funções”.
O Globo