O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR) manifestou seu repúdio às seguidas nomeações de pessoas sem qualificação técnica adequada para cargos de confiança do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Entre essas nomeações por parte do governo Jair Bolsonaro (sem partido) está a do pastor-blogueiro Zilfrank Antero (na foto), chefe da divisão administrativa da Superintendência do Iphan na Paraíba.
Em março deste ano, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, nomeou o pastor e blogueiro do Aliança pelo Brasil Zilfrank Antero – que também afirma ser coach motivacional – para o cargo no Iphan paraibano.
“As pessoas não invejam o que você tem, invejam quem você é. Elas não querem os seus bens, querem a sua essência”, ensina o pastor-blogueiro nas redes sociais.
Outro apontado no manifesto do CAU-BR é Victor Lucchesi, também blogueiro do Aliança pelo Brasil, nomeado também em março como coordenador administrativo do Iphan de Minas Gerais. Lucchesi tem apenas 25 anos e não possui qualquer experiência no serviço público. Em seu canal no YouTube com 26 mil seguidores, Lucchesi reza fielmente a cartilha bolsonarista: duvida da existência de panelaços e divulga que a cloroquina teve eficácia comprovada. Também em março, o ministro nomeou outra blogueira para o Iphan do Rio de Janeiro.
O manifesto do CAU em defesa do Iphan
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR) e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal (CAU-UF), autarquias federais que têm como missão orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, vêm a público ressaltar a importância fundamental do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a preservação da memória e da cultura nacional e a necessidade de quadros técnicos qualificados para implementar políticas efetivas para a área, dentro da missão institucional do órgão.
Dessa forma, repudiam a nomeação de servidores sem qualificação técnica para cargos de direção e coordenação no Iphan, como vem acontecendo repetidamente desde o ano passado. A mais recente e grave é a nomeação de uma diretora-geral que não cumpre os requisitos técnicos estabelecidos pelo Decreto 9.727/2019: “Perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado”. O Decreto estabelece os critérios e o perfil profissional para cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) e de Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE) na administração pública federal, como é o caso da Direção do Iphan. Não há no currículo da senhora Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, formada em Turismo e Hotelaria, qualquer indicação de atuação com preservação do patrimônio histórico e cultural.
Em 2019 já tivemos a designação de pessoas sem nenhuma experiência técnica para importantes cargos nas superintendências do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraíba; além de outras nomeações que motivaram reações contrárias da sociedade civil em Goiás e no Paraná.
O Iphan é uma das mais respeitadas instituições nacionais de patrimônio cultural no mundo, que há décadas construiu uma sólida relação com a Unesco e outras entidades afins, tais como, o Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (Icomos) e o Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais (Iccrom). O Iphan, por si só, já é um Patrimônio Nacional.
Com 83 anos de relevantes serviços prestados, o Iphan e seu valoroso corpo técnico não podem ser expostos a situações desconcertantes. Destacamos que o órgão conta com 27 superintendências nos estados e 37 escritórios técnicos e unidades especiais – consolidando-o como um dos maiores órgãos da Secretaria Especial da Cultura – e fiscaliza e orienta a gestão de mais de 1.266 bens tombados, incluindo 83 conjuntos urbanos, e assim demanda formação específica e experiência profissional diretamente ligada ao patrimônio cultural.
Essa manifestação é feita em defesa da sociedade, nossa missão principal. As Resoluções do Conselho e nosso Código de Ética e Disciplina nos impõem que “cabe ao arquiteto e urbanista reconhecer, respeitar e defender as realizações arquitetônicas e urbanísticas como parte do patrimônio socioambiental e cultural, estando apto, inclusive, a contribuir para o aprimoramento e preservação deste patrimônio”. Importante ressaltar que atuamos de forma interdisciplinar com outros profissionais que igualmente têm presença fundamental nesse campo, como os historiadores, museólogos, sociólogos, arqueólogos e paleontólogos, para citar apenas alguns.
Dispensável repetir a importância da preservação da memória de uma nação, mas vale chamar a atenção para um aspecto. No caso brasileiro, e particularmente nesse momento de grandes transformações, a defesa dos elementos de identidade nacional não é apenas de uma questão cultural, mas também uma questão social. Sim, porque a preservação do patrimônio, quando bem planejada, impacta positivamente o desenvolvimento do país, ao gerar empregos e proporcionar sustentabilidade de cidades, sítios e manifestações culturais de estima dos cidadãos.
O CAU-BR, os CAU-UF e o Iphan possuem uma extensa agenda em comum, e vêm buscando aproximar cada vez mais suas ações em defesa do Patrimônio Histórico e Cultural, principalmente no que se refere às edificações e conjuntos urbanos e arquitetônicos tombados pelo órgão. Por isso nosso interesse em promover quadros técnicos qualificados e experientes à frente das políticas públicas de preservação, de forma a garantir a efetividade dessas e outras ações.
Nosso Patrimônio Cultural está em perigo. Um povo sem cultura, sem memória e sem história nunca será uma nação.
Colocamo-nos, assim, à disposição do governo federal e das entidades e associações nacionais ligadas ao Patrimônio Cultural para participar da formulação de políticas públicas destinadas ao setor e critérios técnicos necessários à sua implementação, tendo em vista a importância da preservação da nossa memória e da nossa cultura.
Espaço PB