O MEC (Ministério da Educação) quer que hospitais universitários, ligados às universidades federais, atendam pacientes com planos de saúde particulares. A medida consta da versão preliminar do projeto de lei do programa Future-se, que quer estimular a captação de recursos privados nas universidades federais. O projeto também prevê a inserção das OSs (Organizações Sociais) na gestão das instituições de ensino.
Para entrar em vigor, o Future-se deve antes ser aprovado pela Câmara dos Deputados. A estimativa do MEC é que o projeto de lei seja enviado ao Congresso no fim de agosto. O Brasil tem, hoje, cerca de 50 hospitais universitários. Deles, 40 estão sob administração da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), empresa pública de direito privado vinculada ao MEC.
Criada em 2011 para gerir os hospitais universitários, a Ebserh determina que os atendimentos feitos na rede aconteçam exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Hospitais universitários que não fazem parte da Ebserh têm autonomia para atender ou não pacientes com plano de saúde particular. São eles o Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); o HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre), da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); e outros oito hospitais e institutos ligados à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A minuta do projeto de lei do Future-se, que foi elaborada pelo MEC e está aberta para consulta pública até o dia 15 de agosto, traz duas mudanças na Lei 12.550/2011, que criou a Ebserh. A primeira retira a exclusividade do SUS no atendimento feito pelos hospitais. Já a segunda inclui um trecho que permite que os hospitais universitários aceitem convênios de planos privados de assistência à saúde.
Como é a lei hoje:
Art. 3º – A Ebserh terá por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, assim como a prestação às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do art. 207 da Constituição Federal, a autonomia universitária.
Parágrafo 1º – As atividades de prestação de serviços de assistência à saúde de que trata o caput estarão inseridas integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Como ficaria:
Art. 3º, parágrafo 1º – As atividades de prestação de serviços de assistência à saúde de que trata o caput estarão inseridas no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
Parágrafo 4º – Os hospitais universitários poderão aceitar convênios de planos privados de assistência à saúde.
“Dupla porta”
Vista pelo poder público como uma forma de aumentar a arrecadação de recursos para os hospitais, a prática é chamada por especialistas de “dupla porta”. Isso porque, nos casos em que há convênio entre as operadoras de plano de saúde e hospitais públicos, o atendimento dos pacientes com plano particular é feito em um local separado. “Isso já ocorre em alguns hospitais filantrópicos. É um atendimento totalmente diferenciado. Você tem uma capacidade instalada e tantos leitos vão ser reservados para plano”, afirma Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
“A porta é separada, é dupla porta mesmo, não é nem um termo pejorativo. O guichê é separado, o atendimento é separado, é assim que funciona”, completa. Lígia Bahia, professora da Faculdade de Medicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz que a dupla porta já existiu em hospitais federais no passado, mas as operadoras de plano de saúde que aceitavam fechar convênios com essas instituições eram as que pagavam pior pelo atendimento.
Para os especialistas, a possibilidade de expansão da prática de dupla porta para toda a rede de hospitais federais é preocupante. “O que temos, hoje, é uma demanda reprimida na maioria dos hospitais universitários. E, ao fazer isso [aceitar planos privados], o que vai ocorrer é privilégio, discriminação, em um hospital que é diferenciado, de muita importância para o sistema”, afirma Scheffer. Ele diz que os hospitais universitários, além de serem centros de formação e ensino, são referência no atendimento de casos de média e alta complexidade na saúde pública.
“Quando houve dupla porta, acontecia, no mesmo hospital, de os pacientes do SUS demorarem dois anos para serem internados, enquanto os pacientes com plano eram internados na mesma semana”, diz Bahia. “Isso é um escândalo, porque aquelas instalações são públicas, a luz é paga com dinheiro público, o centro cirúrgico é mantido com recursos públicos. A dupla porta virou um símbolo de injustiça e discriminação”, afirma.
Ela destaca que os hospitais universitários precisam buscar novas formas de arrecadação e sugere, no caso de serem feitos convênios, que sejam firmados contratos diretamente com as empresas empregadoras. “Mas seriam fontes adicionais de recurso, porque essas fontes não substituem o orçamento, que vem do imposto pago pela população”, diz.
Hoje, por lei, o SUS deve ser ressarcido caso um paciente com plano particular seja atendido em um hospital público. O valor não é repassado diretamente para o hospital, mas sim para o Fundo Nacional de Saúde, que então gerencia os recursos para toda a rede.
Mas é comum, segundo os especialistas, que as operadoras de plano de saúde entrem com recursos na Justiça, o que acaba postergando esse ressarcimento.
O UOL procurou o MEC para saber quais mudanças a pasta prevê para os hospitais universitários caso o Future-se seja aprovado na Câmara. O ministério informou que o tema é de responsabilidade da Ebserh. Procurada, a Ebserh se manifestou apenas por nota.
“A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) esclarece que os artigos do projeto Future-se que envolvem a estatal ainda estão em discussão e análise tanto na forma de consulta pública para a população quanto em reuniões entre as instituições envolvidas. Somente ao fim das discussões e da entrega da proposta final será possível dar mais detalhes de qualquer possível mudança”, diz o texto.
UOL