O presidente Jair Bolsonaro cancelou de última hora uma agenda que manteria na tarde desta segunda-feira (29) com o ministro de Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian.
Bolsonaro deveria receber Le Drian em audiência às 15h no Palácio do Planalto, numa agenda que deveria se estender até as 15h30.
No entanto, minutos antes da reunião, o francês foi avisado pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, de que Bolsonaro não teria mais horário disponível para o encontro.
Poucos minutos depois do horário em que a reunião deveria acabar, por volta de 15h45, o presidente apareceu em uma live nas redes sociais cortando o cabelo.
Diante do cancelamento com o presidente, o vice-presidente Hamilton Mourão também modificou sua agenda e decidiu não se encontrar com o francês. A reunião estava prevista para as 16h.
No momento da comunicação do cancelamento, os chanceleres da França e do Brasil estavam almoçando no Palácio do Itamaraty, em Brasília, após realizarem uma reunião de trabalho.
Diplomatas consultados pela Folha disseram, sob condição de anonimato, que suspender um encontro de última hora com uma autoridade de alto nível de outro país é considerado um gesto no mínimo descortês.
Eles lembraram ainda que a França é um dos principais parceiros do Brasil e mantém uma aliança estratégica com o país na área de defesa.
De acordo com diplomatas, desmarcar uma reunião desse nível praticamente no último minuto muitas vezes é uma forma de demonstrar descontentamento com algum assunto da relação bilateral.
Após o fim do almoço no Itamaraty, Araújo negou qualquer componente político no gesto e disse que o cancelamento da agenda ocorreu por “uma questão de agenda do presidente.”
Ao deixar o Palácio do Alvorada na manhã desta segunda, Bolsonaro disse que receberia o francês e que trataria da questão ambiental, mas que não aceitaria imposições de estrangeiros.
“Hoje eu vou receber o premiê francês [sic], se não me engano, para tratar de assuntos como meio ambiente e ele não vai querer falar grosso comigo, ele vai ter que entender que mudou o governo do Brasil. Aquela subserviência que tínhamos no passado de outros chefes de Estado para com o primeiro mundo não existe mais. Se fosse outro governo qualquer, quando estava em Osaka, no G20, quando viesse para cá demarcaria mais 10, 15, 20 reservas indígenas”, afirmou.
A administração Bolsonaro e o governo francês -liderado pelo presidente Emmanuel Macron- trocaram farpas nas últimas semanas.
No início do mês, em um café da manhã com a bancada ruralista, Bolsonaro criticou Macron e a líder do governo alemão, Angela Merkel, e disse que eles “não têm autoridade para discutir” a questão ambiental com o Brasil.
O aumento dos índices de desmatamento no país tem sido um dos principais flancos de crítica do governo Bolsonaro na Europa.
O tema é inclusive usado como argumento por agentes políticos e econômicos contrários ao acordo de livre comércio assinado entre a União Europeia e o Mercosul.
Na Europa, a França é um dos principais focos de resistência ao tratado comercial.
Em declaração a jornalistas nesta segunda, Le Drian tratou da questão. Ele disse que a França tomará “o tempo necessário” para avaliar o acordo UE-Mercosul.
“Reconhecemos o enorme potencial econômico que esse acordo representa para as empresas. Ao mesmo tempo cabe-nos tomar o tempo necessário para realizar da nossa parte uma avaliação nacional que seja completa, independente e transparente deste acordo. Isso permitirá então determinar a posição das autoridades francesas”, disse Le Drian.
O ministro francês afirmou ainda que, em relação ao processo de discussão do acordo de livre comércio, a França observará três elementos: a implementação do Acordo de Paris (pacto global pela combate ao aquecimento global), a observação de normas ambientais e sanitárias e a proteção de segmentos agrícolas sensíveis. “São os três pontos que despertam vigilância da nossa parte”, disse.
Antes de visitar o Brasil, Le Drian esteve no Chile, onde foi recebido pelo presidente Sebastián Piñera.
De Brasília, o chefe da diplomacia francesa segue para São Paulo e Rio de Janeiro. Na capital paulista, Le Drian deve se encontrar com o governador João Doria (PSDB).
O porta-voz da presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, disse que a live em que Bolsonaro apareceu cortando o cabelo não tem relação com a suspensão da agenda com o francês.
Segundo ele, como o chanceler francês já tinha se reunido com Araújo, a agenda com Bolsonaro foi cancelada.
FolhaPress