Em sete Estados, mais da metade dos profissionais que preencheram as vagas dos cubanos no Mais Médicos já trabalhava em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do País e apenas migrou de um posto de saúde onde era servidor municipal para outro onde passa a ser integrante do programa federal. Assim, postos que tinham equipes completas agora enfrentam déficit de profissionais.
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É o que mostra levantamento feito pelo “Estado” junto a conselhos de secretarias municipais de saúde (Cosems) do País. Dos 13 conselhos contatados, dez disseram ter registrado em seus municípios a migração de profissionais, dos quais sete levantaram o número de casos do tipo. Nesses Estados, 58% das vagas preenchidas foram ocupadas por médicos que já atuavam na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os sete Cosems analisaram os vínculos de trabalho anteriores de 1.489 médicos que aderiram ao Mais Médicos e verificaram que 863 deles trabalhavam em postos de saúde de outras cidades ou Estados.
A situação fez o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, se reunir nesta quarta-feira, 28, com membros do Ministério da Saúde para apresentar o problema. A pasta solicitou ao conselho um levantamento nacional dos números de profissionais que migraram de uma UBS para outra. O conselho pretende apresentar amanhã os números completos ao ministério.
“Estamos muito preocupados. Talvez seja preciso fazer mudanças no edital para evitar que a chegada dos médicos desorganize todo o sistema de saúde”, declarou Diego Espindola de Ávila, diretor do Conasems.
Perda
Enquanto isso, municípios contabilizam perdas de médicos migrando para o programa federal. Na Bahia, das 745 vagas já preenchidas, 427 serão ocupadas por médicos que pediram exoneração de outros postos. Reinaldo Braga Filho, prefeito de Xique Xique, no norte do Estado, conta que, do dia para a noite, se viu sem sete dos 12 médicos da Estratégia Saúde da Família (ESF), que optaram pelo programa federal. “Eles alegaram que as condições do Mais Médicos são mais vantajosas.”
O salário pago pelo programa federal costuma ser maior do que o oferecido por cidades pequenas. Além disso, os profissionais dizem ter mais estabilidade no Mais Médicos e contar com auxílio para pagar aluguel, transporte e alimentação.
Em Pernambuco, de 110 novos médicos inscritos no programa, 71 já tinham vínculo com a atenção básica em outro município. “Do ponto de vista da saúde pública, estamos trocando seis por meia dúzia”, relata Orlando Jorge Pereira de Andrade Lima, presidente do Cosems-PE e secretário municipal de Saúde de Paudalho, onde os três médicos que chegaram para substituir os cubanos vieram de postos de saúde de outras cidades. “Dois vieram de municípios pernambucanos e um, do Maranhão”, conta Lima.
No Rio Grande do Norte, das 139 vagas abertas no Estado após a saída dos médicos cubanos, 98 delas foram preenchidas por médicos que estavam ligados às equipes do programa ESF em outras localidades, como Mirella Medeiros.
Segundo a coordenadora da Comissão do Mais Médicos no Rio Grande do Norte, Ivana Fernandes, dos 98 médicos que migraram, 82 já atuavam no Estado e os outros 16 desempenhavam a mesma função em Estados vizinhos, como a Paraíba.
“Com equipes sem formação completa, não há repasse de recursos pelo Ministério da Saúde para pagamento de salários. Sem esses profissionais, as equipes correm o risco de ser extintas”, declara Ivana.
Na Paraíba, o levantamento revela que, das 128 vagas abertas com a saída dos cubanos do Estado, 98 foram preenchidas por médicos que já atuavam em outro município. “A gente está resolvendo um problema, mas criou outro, mais sério”, disse a presidente do Cosems no Estado, Soraya Galdino.
No Ceará, dados parciais mostram que 194 vagas oferecidas pelo programa foram acompanhadas por 90 exonerações. O Amazonas informou que, dos 95 primeiros médicos alocados em seus municípios, 27 vieram de outras UBSs. O Acre tem 52 de 78 vagas preenchidas por médicos que migraram de uma Prefeitura para outra. Os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Maranhão também disseram ter registrado a situação.
Questionado, o Ministério da Saúde informou que o edital prevê regras específicas para os médicos que já atuam no programa Estratégia Saúde da Família. Uma delas é a que obriga um médico que decida migrar para o Mais Médicos a continuar em um município com perfil igual ou mais vulnerável. A pasta não respondeu se pretende mudar as regras do edital nem o que fará em relação às vagas que ficaram vazias.
Salário e estabilidade pesam
A possibilidade de ter um emprego estável com rendimentos superiores aos pagos no programa Estratégia Saúde da Família (ESF) fez a médica Mirella Medeiros, formada recentemente pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), migrar para o Mais Médicos. “Principalmente porque existe a instabilidade de estar numa prefeitura sem ser efetivo. Há influência política, de quem está na Secretaria de Saúde, e nem sempre sabemos se continuaremos no cargo. Além do salário, claro, que é melhor. O Mais Médicos é um emprego federal”, diz a profissional, ao explicar por quais motivos efetivou a mudança de programa.
Mirella deixou a ESF na cidade litorânea de Touros e passará a atuar, no início de dezembro, no município de Pedro Avelino, distante 139 quilômetros da capital, Natal.
Por mês, em média, um médico do programa Estratégia Saúde da Família ganha R$ 8.750, enquanto no Mais Médicos o valor pago ao profissional é de R$ 11.865, com menos descontos em folha de pagamento por ser tratado como uma bolsa pelo governo federal – os profissionais são obrigados a concluir uma especialização em saúde da família.
Na Bahia. Estabilidade também foi um dos motivos que levaram o médico Taciano Mendes Silva, um dos sete profissionais que saíram de Xique Xique, na Bahia, a aderir ao Mais Médicos.
Além de outros benefícios, como ter aluguel, alimentação e transportes pagos pelo governo federal, ele ainda terá a vantagem de trabalhar a 40 quilômetros da terra natal, onde residem seus parentes.
O médico garante que Xique Xique é uma exceção no tratamento respeitoso aos profissionais, pois em municípios da região colegas trabalham de forma indigna, com salários atrasados, sem qualquer vínculo empregatício, sujeitos a dispensa em caso de reclamação, o que explicaria a migração de um grande número de profissionais para o programa federal. “Pelo Mais Médicos, as regras são outras e teremos a garantia da permanência e de que o salário vai chegar ao final do mês”, diz.
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