“Uma medida importante em favor da moralidade administrativa e da decência política. Muita gente é contra. Paciência. Nós não somos atrasados por acaso. Somos atrasados porque o atraso é bem defendido.”
Foi desse modo que o ministro Luís Roberto Barroso saiu em defesa da Lei da Ficha Limpa na introdução de seu livro “A Judicialização da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federal” (ed. Fórum), lançado no ano passado. Na obra, o magistrado fala, entre outros pontos, do papel civilizatório das supremas cortes pelo mundo —papel que ele chama de “iluminista”.
Hoje, Barroso é o relator, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), do pedido de registro de candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deseja voltar ao Planalto. A presidente do TSE, Rosa Weber, decidiu na noite desta quinta (16) mantê-lo à frente do caso, após questionamento da defesa do petista.
Lula foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e está preso. Ele nega os crimes e diz sofrer perseguição política. Potencialmente, ele se enquadra na Ficha Limpa, devido à condenação na Lava Jato —operação elogiada por Barroso no mesmo livro.
“A magistratura, o Ministério Público e a Polícia Federal conduziram a chamada Operação Lava Jato, o mais extenso e profundo processo de enfrentamento da corrupção da história do país. Talvez do mundo. Utilizando técnicas de investigação modernas, […] a operação desvendou um pacto oligárquico de saque ao Estado brasileiro, celebrado por empresários, políticos e burocratas”, escreveu o ministro.
Não só em sua obra Barroso advogou pela Ficha Limpa. Conhecido pelas contendas com o ministro Gilmar Mendes, seu colega de bancada no STF, Barroso disse em agosto de 2016, bem antes de Lula ser condenado pelo juiz Sergio Moro, que considera a norma “sóbria”.
Foi uma resposta direta a Gilmar, que dissera dois dias antes que a Lei da Ficha Limpa parecia ter sido feita por bêbados.
“Eu, diversamente, acho que a lei é boa, acho que a lei é importante e acho que a lei é sóbria. Acho que é uma lei que atende algumas demandas importantes da sociedade brasileira por valores como decência política e moralidade administrativa”, declarou Barroso na ocasião.
Em setembro passado, enquanto o Supremo analisava se a Ficha Limpa podia ser aplicada a políticos condenados antes de 2010 —ano em que a lei entrou em vigor—, Barroso fez um de seus discursos mais duros em favor da norma.
“É uma lei que quer criar um tempo em que não seja normal nomear dirigentes de empresas estatais para desviarem dinheiros para políticos e seus partidos. Uma lei que procura criar um tempo em que não seja normal fraudar licitações para privilegiar empresas que vão repartir os ganhos com os dirigentes públicos”, afirmou.
O discurso indica concordância com as afirmações de investigadores e juízes responsáveis pela Lava Jato, para quem vários políticos —entre eles, Lula— montaram um esquema de indicação de diretores para assaltar a Petrobras e repassar propina a agentes públicos.
A Ficha Limpa, prosseguiu Barroso naquela sessão, precisava ser interpretada “de forma consentânea com a percepção de que é preciso mudar a realidade”. O plenário da corte decidiu então, por 6 votos a 5, que a Ficha Limpa também vale para condenações por abuso de poder econômico ou político que foram anteriores a 2010.
Foi no mesmo discurso que Barroso disse que “não é normal as pessoas circularem com malas de dinheiro”. A declaração foi vista como uma alfinetada no ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), ex-assessor do presidente Michel Temer.
Barroso relata, no Supremo, o inquérito que investiga se Temer e seu círculo de amigos e aliados receberam propina de empresas do setor de portos. O escândalo foi deflagrado no ano passado com a imagem de Rocha Loures correndo com uma mala com R$ 500 mil entregue pela JBS numa pizzaria em São Paulo.
Em março deste ano, ao julgar o recurso de um político de Minas que chegou ao STF, o ministro reafirmou o entendimento que teve no julgamento da retroatividade da lei. Ele declarou que a Ficha Limpa “procura concretizar o artigo 14, parágrafo nono, da Constituição Federal, que prevê que a lei deverá proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício o mandato”.
“Portanto”, sustentou, “a própria Constituição autorizou causa de inelegibilidade baseada na vida pregressa dos candidatos. Para bem ou para mal, há lastro constitucional”.
Em seu livro, Barroso situa a Ficha Limpa no rol das mudanças legislativas importantes para o combate à corrupção, ao lado, entre outras, da Lei Anticorrupção (n° 12.846/2013) e da Lei das Organizações Criminosas (n° 12.850/2013) —que regulamenta as delações premiadas, instrumento fundamental para a condenação recente de políticos, incluindo Lula. Curiosamente, as três foram sancionadas em governos petistas.
Folha